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Envelheci, Regina Porto


     Minhas mãos não são delicadas e, neste momento, nem pintei as unhas.
    Olhando para elas vejo manchas que chamo de sardas para creditar ao castigo do sol sobre a pele muito branquinha, a inexorável passagem do tempo. Envelheci.
    Aos vinte anos, quando tudo era bonito, inclusive as mãos, fazer 50 era tão distante até parecia jamais chegar.. Chegou. Passou e é bom.
     Para minha surpresa não detesto ter envelhecido. Deixar de por rímel porque tenho de tirar os óculos e, tirando, não enxergo meus cílios; ter de esquecer umas roupas que me caiam tão bem, porque a barriguinha resiste bravamente; fios brancos em meus cabelos e a imensa dificuldade de
lembrar o nome daquele ator, que fez não sei qual filme com aquela atriz bonita... Nada disso incomoda.
    A gente envelhece aos poucos que é para, tanto quanto possível, adaptar a mente à casa e a vida.
   O rímel não me faz falta. Ficou o batom.
  Não fiz faculdade, não tenho, portanto, uma profissão. Minhas mãos só têm destreza no lavar louça, faxinar constante e jardinagem; são grosseiras, bem se vê.
    Como disse, por minhas mãos passaram poucos livros escolares. Não me fiz intelectual e tenho quase nenhuma vivência.  E, embora isso hoje me traga a duríssima constatação de que fiquei só, tenho de admitir: é a vida. Acontece. Mas teimo em não me deixar derrotar pela solidão. Esta sim, muito mais que tudo, pesa como chumbo.
  Vou fazer um blog!! Pronto, decidi. Vou fazer um blog, Se não der certo, procuro um terapeuta.

Comentários

  1. Regina!! Bela viagem no tempo, ou será pelo espaço. Belo texto. Um abraço.

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  2. Olá, professor! há qto. tempo não nos falamos não é? obrigada, abraço.

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