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História Bonita: A Escola da Árvore

 Francisco tinha três anos quando a mãe, a então servidora pública Letícia Araújo, 49, o levou a um posto de saúde no Varjão, na região norte de Brasília. Ao avistar uma criança da mesma idade, o menino fez um questionamento que estaria prestes a mudar a vida da família. "Ele olhou para a nossa cara e disse: 'Ele (o menino) é preto?' Meu filho não sabia o que era uma pessoa preta", relembrou a mãe.

Foi a partir dessa indignação que ela e o marido, Davi Contente, 40, em 2015, decidiram usar uma casa de 46 metros na chácara em que moravam, para dar início à história da Escola da Árvore. "Aqui era a minha churrasqueira", apontou Araújo, fundadora e pedagoga da instituição, ao apresentar o cômodo reformado, que abriga a turma mais nova da escola: Mirindiba.

"Eu só comecei a pensar nessa escola quando não achava nenhuma no Plano Piloto que tinha crianças negras. Como que meu filho vai aprender a lidar com o racismo, se ele só tinha coleguinhas brancos?" explicou. Este ano, a chácara localizada no núcleo rural Córrego Jerivá, Entrada A no Lago Norte, conta com quatro hectares e 260 alunos. Além de oferecer as matérias obrigatórias, a proposta é buscar a formação de estudantes autônomos e responsáveis, comprometidos com a transformação social e a sustentabilidade.

Movimento, natureza e diversidade são os eixos que orientam o projeto educacional. Inspirada na ideia de "Cantos de trabalho diversificado", proposta pelo pedagogo francês Célestin Freinet, as salas de aula são organizadas por setores. Propostas de Paulo Freire e de Emília Ferreiro também são aplicadas. Ao total, são três: canto de expressão e comunicação; canto da matemática; e canto da ciência. A ideia é estimular curiosidade, criatividade e senso crítico, fazendo com que os alunos aprendam a partir de diferentes materiais e ambientes destinados para cada área do conhecimento.
Fora as matérias tradicionais, os estudantes têm acesso a aulas como yoga, cerâmica, jiu-jitsu, marcenaria e teatro. Todos os dias, as turmas — entre 18 e 20 alunos — começam sentadas em uma roda, fazendo o planejamento do dia com o professor. "A gente não vai colocar as crianças em uma caixa, como se todo mundo precisasse viver tudo ao mesmo tempo", afirmou a fundadora, ao explicar o modelo cooperativo da escola.

Após as atividades, as crianças terminam fazendo uma avaliação do que deu certo, errado, e o que poderia ser melhor. Para ensinar os conteúdos, a escola trabalha com apostilas personalizadas para cada turma. Além dos livros, são usadas fichas de trabalho, projetos coletivos e individuais para os estudantes.

É o caso da turma Guapuruvu, que ao mesmo tempo que estuda grandezas e medidas na matemática — como projeto coletivo, que envolve todos alunos da classe — tem como projeto individual pesquisas de temas variados, escolhidos a partir do interesse pessoal de cada criança. Para entender como realizar uma análise, as crianças produzem um diário, com temas que vão desde baratas, girafas até a lua. Desse modo, os estudantes realizam trabalho de investigação e aprendem a metodologia científica, enquanto se divertem.

A escola é particular e oferece turmas desde a educação infantil, recebendo alunos a partir de um ano, até o ensino fundamental dois. Cada turma é nomeada com nomes de árvores do cerrado. Em ordem alfabética, a primeira classe da escola foi a Angelim, que hoje acompanha os alunos do nono ano — último que a escola oferece. Em seguida, veio a Buriti, Caliandra e Duguetia. Atualmente, a escola está na letra M, na geração Mirindiba.

Outro pilar da escola é a educação ambiental, que integra o cotidiano das crianças. Ao desconstruir as ideias de medo e sujeira relacionadas com a natureza, os estudantes criam laços com o meio ambiente e aprendem os benefícios de preservar a fauna e flora.

Desse modo, com o intuito de aproximar as crianças com a prática da agricultura sustentável, a instituição usou o espaço da chácara para fazer uma agrofloresta — prática que combina a agricultura com a vegetação nativa, realizando o plantio sem agredir o meio ambiente.  

No sistema, é possível cultivar diversos produtos em um espaço. Entre os benefícios, destaca-se a melhoria das propriedades do solo, redução do desmatamento e alimentos mais saudáveis. Os responsáveis pela manutenção do local são os quatro agricultores funcionários da escola. Entre os cultivados estão: banana prata, maracujá-pérola, maracujá-doce, algodão e vegetais.

Para o agricultor Cícero Marques, 35, a atividade faz com que as crianças fiquem mais autônomas e conscientes a respeito dos danos que podem causar na natureza. "Quando eles vêm aqui, é uma festa", afirmou. Segundo o agricultor que trabalha há quatro anos na instituição, os alimentos cultivados, além de serem usados para a produção de lanches e estudo dos alunos, também são vendidos na feira da escola, que funciona todas as terças-feiras, com os produtos produzidos na agrofloresta.

Troca não monetária 

A escola é um projeto sem fins lucrativos, ou seja, todo o dinheiro recebido é investido na instituição e nos funcionários, e possui 125 (48%) alunos bolsistas. Além disso, oferece o sistema de trocas não monetárias. A proposta é que, caso necessário, os responsáveis possam oferecer o pagamento da mensalidade sem ser com dinheiro, e, sim, com os serviços que podem oferecer.

Foi o que ocorreu com a professora Elaine Lima, 28, que está na escola há uma década. "Quando entrei, era só esse espaço da churrasqueira como sala, nesse processo, eu engravidei, cursei pedagogia e me encontrei aqui", disse. Atualmente, Lima leciona aulas para a turma Mirindiba — de alunos entre um e três anos — e tem uma filha na última série da educação infantil. "Acho que o diferencial da escola é o contato com a natureza, o espaço faz toda diferença para qualquer criança. Eu sinto que minha filha é muito respeitada e que pode ser o que ela quiser." 

Fazendo doutorado na Universidade de Brasília (UnB), a proposta da pedagoga Letícia Araújo é uma educação insurgente. "A gente entende que a escola não é comércio, não é um lugar de ser uma empresa, aqui é um espaço de formação humana", ressaltou. 

A ideia é desafiar as normas tradicionais, rompendo modelos que perpetuam desigualdades, opressões e racismo. Por meio das atividades, os estudantes aprendem a importância do trabalho coletivo, reafirmando a ligação entre escola, justiça social e natureza.

Ao comemorar os 10 anos da escola, a instituição firmou parceria com a UnB para promover o seminário Educação Insurgente. O evento ocorrerá entre 15 e 18 de outubro e tem como objetivo propor imersões, debates e oficinas a respeito dos desafios da educação brasileira na próxima década. 

Matéria de: Sofia Selliani  para Eu Estudante em 3/10/25

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