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Figuras do Vento, poema de Joaquim Cardozo

                                                                                                      

"Figure porte adsence et présence..."
Pascal

Figuras do vento
Nos ares divinos
São finos cabelos
Na luz. Movimento
De puras miragens,
imagens, modelos
De formas vazias;
São asas difusas,
São vôos imensos,
Perdidos no espaço
Por noites e dias.

São ventos profanos
Rompendo,mugindo,
Lavrando no mar;
Sào ventos lavrando,
São bois de charrua,
São gênios que ceifam
Searas na lua
E animam sementes
Que irão germinar.

São ventos feridos,
São ventos antigos,
Saudade de amigos,
Lembranças, rumores;
São ventos irados
De pele gelada
Batendo em meu rosto,
Marchando em rajada,
Rufando tambores.

São ventos, são vozes,
São queixas veladas
Nos vales de rosa,
Nos lagos de aurora
Nos golfos de mel;
Às vezes as vozes
São mágoas passadas
E às vezes soturnas
Nas furnas rugindo
Encerram mistérios
Ungidas, sagradas
De sombre e de fel.

No entanto que importa
Que o vento que passa
Segredos me faça
De histórias bem feias
De fadas somente
Cantadas a mim!
Eu quero é dormir
No frio das águas
Nos braços das algas
No amor das sereias
Dos mares em fim.

Em:Poesias Completas, Joaquim Cardozo, Ed. Civilização Brasileira, 1979, págs.43-44

Nota: o blog manteve a grafia original.

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