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A Professora Encantadora, Márcio Vassalo

 Maísa era uma professora que olhava para tudo com olho de assombro e estranheza. Ela dizia que assombro é um susto cheio de beleza e que estranheza é o casamento do estranho com a surpresa. As aulas da Maísa eram mesmo assombrosas, estranhas e surpreendentes. Na escola, ela se derretia de amor pelas palavras, pelas frases, pelos livros. Mas a Maísa se derretia pelas pessoas ainda mais que pelos livros. Então, a professora contagiava a gente com todo aquele derretimento. E dava aula de esticar suspiro. De olhos fechados, nós aprendíamos a suspirar fundo. E a Maísa suspirava junto com a gente, com aquele seu riso, às vezes freado, às vezes desembestado. Ah, e para ninguém atrapalhar a aula com urgências sem importância, no lado de fora da porta a professora pendurava um aviso:

NÃO ENTRE AGORA. ESTAMOS SUSPIRANDO…

No começo, os alunos que não conheciam bem a Maísa achavam que um dia ela daria uma prova para ver quem tinha aprendido a suspirar certo.Mas a professora logo explicava que não existia suspiro certo nem suspiro errado e que suspirar de verdade, para ela, era puxar do peito uma quentura infinita e tirar lá de dentro uns apertos ruins de largura descabida. 

Sempre que podia, e a Maísa podia quase sempre, ela também nos ensinava a catar perguntas novas dentro das histórias, dos versos, das cenas, das ideias das pessoas. Ela dizia que pergunta nova é que desdobra a gente por dentro. E a Maísa gosta um bocado de desdobrar gente por dentro.

E ela nos mostrava que estranho pode ser só o que a gente ainda não conhece; que um dia cinzento pode ser bonito por fora e por dentro; que uma vida sem perturbações é que nem o mar sem onda; que alguém so sabe ensinar quando não consegue parar de aprender; que errar também pode ser uma forma de caminhar; que ninguém escolhe o momento em que uma raiva começa mas todo mundo pode escolher quando é que acaba; que nada é mais importante do que entender os próprios sentimentos.

Ah, tinha vezes que a Maísa confundia a gente; tinha vezes que a gente confundia a Maísa. Mas a maior confusão de todas era mesmo quando tanta gente na sala tinha vontade de abraçar a professora ao mesmo tempo. E a Maisa abraçava as pessoas que sentavam atrás, abraçava as pessoas que sentavam no meio, e in ventava motivos para todo mundo se abraçar também.

Aliás, na escola toda quem aceitasse ganhar um abraço da Maísa ganhava também um poema.

Ela sempre tinha um poema para dar asa nos outros. A Maisa dizia que dar asa nas pessoas é reconhecer o que cada uma delas tem de mais bonito e mágico.

Bem, a verdade é que nem todo mundo na escola  dava asa para a Maísa. Algumas pessoas costumavam dizer que ela precisava parar com aquela mania de dar asa para os outros, que ela devia ter os pés no chão e que, na realidade, a Maísa não era boa professora, porque não preparava os alunos para o futuro.

Mas a Maísa só voava porque pegava impulso do chão e ela não entendia essa história de preparar gente para o futuro não.

No relógio da Maísa, o futuro chegava sempre em um minurto pra daqui a pouco. E antes da daqui a pouco, sem pressa nenhuma ela também dava para a gente aula de despreparo. Afinal, a professora nos explicava que ninguém pode ter surpresas deliciosas com as coisas mais simples da vida se não estiver preparado para elas. 

Só que ninguém quase nunca estava preparado para a Maísa.

E assim ela me ensinou a suspirar, me ensinoiu a não ter medo de errar, me ensinou a reparar, me ensinou a escutar, me ensinou a esperar, me ensinou a parar, me ensinou a  flutuar.

Não que eu tenha aprendido tudo tanto assim, mas a Maísa me ensinou mais do que um bocado de coisas. Ela só não ensinou a ficar tão longe dela, aquela professora. E se puder me encontrar com a Maísa de novo, um dia, vou confessar, bem no ouvido dela, por que eu escolhi ser escritor.

- Eu escrevo, mais do que tudo, é para ficar perto de você minha professora encantadora.

A Professora Encantadora, Márcio Vassalo. 8-11 anos, Ed. Abacate 


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