Pular para o conteúdo principal

Mulheres da Fuvest (9) Sophia de Mello Breyner Andresen: O Cristo Cigano

O Cristo Cigano da autora portuguesa Sopha de Melo Breyner contém 12 poemas que contam a história de um cigano que foi morto por um escultor para que ele pudesse usar sua imagem em uma escultura de Cristo.    Essa lenda foi contada à Sophia por João Cabral de Melo Neto. A autora homenageia JCMN no livro que tem edição brasileira e é um dos exigidos pela Fuvest para o vestibular de 2026.  O Cristo Cigano foi lançado em 1961.  Os poemas não numerados de 1 a 12 e   o blog Livro Errante traz o de número 10.

A lenda:
Um escultor foi contratado pela igreja católica para esculpir uma peça que representasse Jesus em sua agonia na cruz. O artista, porém, não consegue criar sem um modelo. Precisa ver alguém morrendo. Tem dúvidas sobre esperar uma morte natural  ou matar alguém para, então, trabalhar já que a encomenda vinha com um prazo.  Opta pela segunda alternativa e aguarda alguém lhe aparecer. Avista, então, um cigano a banhar-se num rio. É atraido pela beleza do homem e vai até ele. Apaixona-se pelo cigano, mas não esquece seu objetivo. Leva-o para casa passam a noite juntos e mata-o  de madrugada com um golpe de faca. Teve, assim, a visão da agonia de Cristo no rosto agonizante do belo cigano. 


O poema número 10:

A  Aparição

Devagar devagar um homem morre
Escura no jardim a noite se abre
A noite com miríades de estrelas
Cintilantes límpidas sem mácula

Veloz veloz o sangue foge
Já não ouve cantar o moribundo
Sua interior exaltação antiga
Uma ferida no seu flanco o mata

Somente em sua frente vê paredes
Paredes onde o branco se retrata
Seus olhos devagar ficam de vidro
Uma ferida no seu flanco o mata

Já não tem esplendor nem tem beleza
Já não é semelhante ao sol e à lua
Seu corpo já não lembra uma coluna
É feito de suor o seu vestido
A sua face é dor e morte crua

E devagar devagar o rosto surge
O rosto onde outro rosto se retrata
O rosto desde sempre pressentido
Por aquele que ao viver o mata

Seus traços seu perfil mostra
A morte como um escultor
Os traços e o perfil
Da semelhança interior


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di...

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica...

Vamos pensar? (18)

Será que às vezes o melhor não é se deixar molhar?