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Mulheres da Fuvest (3): O Africano e o Poeta, poema de Narcisa Amália



Les eclaves... Est-ce qu'ils ont des dieux?
Est-ce qu'ils ont des fils, eux qui n'ont point d'aieux? (Lamartine)







No canto tristonho
Do pobre cativo
Que elevo furtivo,
Da lua ao clarão;
Na lágrima ardente
Que escalda-me o rosto,
De imenso desgosto
Silente expressão;
      Quem pensa? - O poeta
      Que os carmes sentidos
       Concerta aos gemidos
       De seu coração.

Deixei bem criança
Meu pátrio valado,
Meu  ninho embalado
Da Líbia no ardor;
Mas esta saudade
Que em túmulo anseio
Lacera-me o seio
Sulcado de dor,
     Que sente? - O poeta
     Que o elísio descerra
     Que vive na terra
     De místico amor! 

-Roubaram-me feros
A f'ervidos braços;
Em rígidos laços
Sulquei vasto mar;
Mas este queixume
Do triste mendigo,
Sem pai, sem abrigo,
Quem quer escutar?...
     Quem quer? O poeta
     Que os térreos mistérios
     Aos paços sidéreos
     Deseja elevar.

- Mais tarde entre as brenhas
Reguei mil searas
Co'as bagas amaras
Do pranto revel;
Das matas caíram
Cem troncos, mil galhos
Mas esses trabalhos
Do braço novel,
     Quem vê? - O poeta
     Que expira em arpejos
     Aos lúgubres beijos
     Da fome cruel!

- Depois, o castigo
Cruento, maldito
Caiu no procrito
Que o simun crestou;
Coberto de chagas,
Sem lar, sem amigos,
Só tendo inimigos...
     Quem há? ... O poeta
     Que a chama divina
     Que o orbe ilumina
     Na fronte encerrou!...

- Meu Deus! ao precito
Sem crenças na vida,
Sem pátria querida,
Só resta tombar!
Mas... quem uma prece
Na campa do escravo
Que outrora foi bravo
Triste há de rezar?!...
     - Quem há de? ... O poeta
      Que a lousa obscura,
      Com lágrima pura
      Vai sempre orvalhar!?

Em: Nebulosas, Narcisa Amália. Via Leitura 2024, págs.103-105
Imagem: Escravo Jean Baptiste Debret

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