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É Ela! É Ela! É Ela! É Ela! poema de Álvares de Azevedo ( Lira dos Vinte Anos)


É ela! é ela! — murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou — é ela!
Eu a vi — minha fada aérea e pura—
A minha lavadeira na janela!


Dessas águas-furtadas onde eu moro

Eu a vejo estendendo no telhado

Os vestidos de chita, as saias brancas;

Eu a vejo e suspiro enamorado!


Esta noite eu ousei mais atrevido

Nas telhas que estalavam nos meus passos

Ir espiar seu venturoso sono,

Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!


Como dormia! que profundo sono! . . .

Tinha na mão o ferro do engomado. . .

Como roncava maviosa e pura!

Quase caí na rua desmaiado!


Afastei a janela, entrei medroso:

Palpitava-lhe o seio adormecido...

Fui beijá-la. . . roubei do seio dela

Um bilhete que estava ali metido. . .


Oh! de certo. . . (pensei) é doce página

Onde a alma derramou gentis amores;

São versos dela. . . que amanhã de certo

Ela me enviará cheios de flores.


Tremi de febre! Venturosa folha!

Quem pousasse contigo neste seio!

Como Otelo beijando a sua esposa,

Eu beijei-a a tremer de devaneio.


É ela! é ela! — repeti tremendo;

Mas cantou nesse instante uma coruja...

Abri cioso a página secreta. . .

Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!


Mas se Werther morreu por ver

Carlota Dando pão com manteiga às criancinhas,

Se achou-a assim mais bela, — eu mais te adoro

Sonhando-te a lavar as camisinhas!


É ela! é ela! meu amor, minh'alma,

A Laura, a Beatriz que o céu revela. . .

É ela! é ela! — murmurei tremendo,

E o eco ao longe suspirou—é ela!


(Obras, 1853. Lira dos vinte anos, 2ª parte)


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