"Pai, a mãe não resistiu", "Pai, ela acaba de partir em definitivo, "Papai, a mamãe morreu", na cabeça, cada um dos oito filhos ensaiava uma forma possível para se dizer o indizível ao velho: que nossa mãe, sua companheira, estava morta.
Enquanto preparavam o corpo dela para o enterro, os irmãos se entreolharam e decidiram ir todos pra casa dos pais, onde o velho esperava, aos noventa, novidades sobre o estado de saúde da mulher, internada uma semana atrás.
Em torno da antiga mesa de jantar, juntos, dariam ao velho o pior de todos os boletins. Ao ver os filhos chegando e se colocando de olhos vermelhos e em peso em torno da grande mesa, o pai foi se inquietando e passou a repetir a pergunta, cada vez em um tom acima: cadê Etelvina? cadê Etelvina? cade Etelvina? Descrente no que lhe dizíamos, recusava-se a acreditar e insistia, mas agora já em tom choroso, resignado, abaixo: cadê Etelvina?
Com o trauma do anúncio da morte daquela com quem convivera os últimos 70 anos, desenvolveu um quadro de alzheimer temporário, de modo que era preciso dar-lhe a pior de todas as notícias a cada manhã, logo que acordava, inquirindo, às vezes à tarde também, e, noutras tantas, quando ele acordava no meio da noite, sempre com a mesma e inquieta pergunta sem resposta que parasse em sua cabeça, "Cadê Etelvina?
Então permanecemos assim, formulando, dentro do nosso possível irremediável e diariamente o impossível de ser dito, o improvável de ser ouvido: a mãe está morta, a mãe está morta, pai.
Muitos meses se passaram, um ano e pouco, até que as respostas foram substituídas por um silêncio abissal. E mesmo as perguntas cessaram, substituídas, por sua vez, por uma não menos tácita, embora expressa, vontade de morrer. Pareceu-nos que a notícia, enfim, havia sido entregue ao seu destinatário.
Então o mote daquele pobre e solitário homem mudou para "Pra que isso tudo?". Achava demais a comida que lhe davam, muito dispensáveis as conversas que tentavam, muito grandes e dispendiosos quaisquer passeios, o dia de hoje, a vida, despropositada. Tudo invariavelmente recusado.
Considerava inúteis os remédios, injustificável a fisioterapia, além de infindáveis as noites e aterradoras as madrugadas. E, principalmente e em suma, absolutamente sem justificativa aquela ideia absurda de seguir vivendo. Então, de recusa em recusa, arquitetou um plano infalível: ir a seu encontro.
E mudou-se afinal para o lugar que sonhava, um em que não lhe davam diariamente notícia alguma. O único lugar em que a pergunta "Cadê Etelvina?" encontrava por fim, a resposta certa: "Etelvina está aqui, pai".
( Da página do autor no Facebook)
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