Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,e comia mamão, e mirava a flor da goiaba.
E as lagartixas me espiavam, entre os tijolos e as trepadeiras
e as teias de aranha nas minhas árvores se entrelaçavam.
Isso era num lugar de sol e nuvens brancas,
onde as rôlas, à tarde, soluçavam mui saudosas...
O eco burlão, de pedra em pedra saltando,
entre vastas mangueiras que choviam ruivas horas.
Os pavões caminhavam tão naturais por meu caminho,
e os pombos tão felizes se alimentavam pelas escadas,
que era desnecessário crescer, pensar, escrever poemas,
pois a vida completa e bela e terna ali já estava.
Como a chuva caía das grossas nuvens, perfumosa!
E o papagaio como ficava sonolento!
O relógio era festa de ouro; e os gatos enigmaticos
fechavam os olhos, quando queriam caçar o tempo.
Vinham morcegos, à noite, picar os sapotis maduros,
e os grandes cães ladravam como nas noites do Império.
Maripôsas, jasmins, tinhorões, vaga-lumes
moravam nos jardins sussurrantes e eternos.
E minha avó cantava e cosia. Cantava
canções de mar e de arvoredo, em língua antiga.
E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos
e palavras de amor em minha roupa escritas.
Minha vida começa num vergel colorido,
por onde as noites eram só de luar e estrêlas.
Levai-me aonde quiserdes! - aprendi com as primaveras
a deixar-me cortar e voltar sempre inteira.
Em: Antologia Poética, Ed. do autor, Rio de Janeiro 1963, pág. 44
Nota: o blog manteve a grafia original.
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