Espiamos por um frincha da porta, e de fato lá estava o ladrão, um velhinho magro - mas não estava roubando nada, estava olhando os trastes da garage ( que era mais um depósito, porque há tempo não tínhamos mais carro). Rindo baixinho e nos entendendo por sinais nós o trancamos ali.
À noite voltou a mãe. Chegou cansada, como sempre - desde a morte do pai trabalhava como costureira - e resmungando. Que é que vocês andaram fazendo? - perguntou, desconfiada - vocês estão rindo muito. Não é nada, mãe, respondemos, nós os quatro ( o mais velho com doze anos). Não estamos rindo de nada.
Naquela noite não deu para fazer nada com o ladrão, porque a mãe tinha o sono leve. Mas espiávamos pela janela do quarto, víamos que a porta da garage continuava trancada - e aquilo nos animava barbaridade. Mal podíamos esperar que amanhecesse - mas enfim amanheceu, a mãe foi trabalhar e a casa ficou só para nós.
Corremos para a garage. Olhamos pela frincha e ali estava e velho ladrão, sentado numa poltrona quebrada, muito desanimado. Aí seu ladrão! - gritamos. Levantou-se assustado. Abram, gente - pediu quase chorando - me deixem sair, eu prometo que nunca mais volto aqui.
Claro que nós não íamos abrir e dissemos a ele, nós não vamos abrir. Me dêem um pouco de comida, então - ele disse - estou com muita fome, faz três dias que não como. O que é que tu nos dás em troca, perguntou o meu irmão mais velho.
Ficou em silêncio um tempo, depois disse: eu faço mágica para vocês. Mágica! Nos olhamos. Que mágica, perguntamos. Ele: eu transformo coisas no que vocês quiserem.
Meu irmão mais velho, que era muito desconfiando, resolveu tirar a limpo aquela história. Enfiou uma varinha pela frincha e disse: transforma essa varinha num bicho. Esperem um pouco - disse o velho numa voz sumida.
Esperamos. Daí a pouco, espremendo-se pela frincha, apareceu um camundongo. É meu - gritou o caçula, e se apossou do ratinho. Rindo do guri, trouxemos uma fatia fatia de pão para o velho.
Nos dias que se seguiram ele transformou muitas coisas - tampinhas de garrafa em moedas, um prego em relógio (velho, não funcionava) - assim por diante. Mas veio o dia em que batemos à porta da garage e ele não respondeu. Espiávamos pela frincha, não víamos ninguém. Meu irmão mais velho - esperem aqui, - vocês - abriu a porta com toda cautela. Entrou pôs-se a procurar o ladrão entre os trastes:
- Pneu velho, não é ele... Colchão rasgado, não é ele...
Enfim, não o achou, e esquecemos a história. Eu, particularmente, fiquei com certas dúvidas: pneu velho, não era ele?
Scliar, Moacir. Para Gostar de Ler, Vol. 13 histórias Divertidas, Ed.Ática,2002, págs 98-99
Caricatura de Hugo Enio Braz
Comentários
Postar um comentário
comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.