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Quarto de Despejo, Carolina Maria de Jesus


Quando infiltrei na literatura

Sonhava so com a ventura
Minhalma estava chêia de hianto
Eu nao previa o pranto. Ao publicar o Quarto de Despejo
Concretisava assim o meu desejo.
Que vida. Que alegria.
E agora… Casa de alvenaria.
Outro livro que vae circular
As tristêsas vão duplicar.
Os que pedem para eu auxiliar
A concretisar os teus desejos
Penso: eu devia publicar…
– o ‘Quarto de Despejo’.


No início vêio adimiração
O meu nome circulou a Nação.
Surgiu uma escritora favelada.
Chama: Carolina Maria de Jesus.
E as obras que ela produz


Deixou a humanidade habismada
No início eu fiquei confusa.
Parece que estava oclusa
Num estôjo de marfim.
Eu era solicitada
Era bajulada.
Como um querubim.



Depôis começaram a me invejar.
Dizia: você, deve dar
Os teus bens, para um assilo
Os que assim me falava
Não pensava.
Nos meus filhos.


As damas da alta sociedade.
Dizia: praticae a caridade.
Doando aos pobres agasalhos.
Mas o dinheiro da alta sociedade
Não é destinado a caridade
É para os prados, e os baralhos


E assim, eu fui desiludindo
O meu ideal regridindo
Igual um côrpo envelhecendo.
Fui enrrugando, enrrugando…
Petalas de rosa, murchando, murchando
E… estou morrendo!


Na campa silente e fria
Hei de repousar um dia…
Não levo nenhuma ilusão
Porque a escritora favelada
Foi rosa despetalada.
Quantos espinhos em meu coração.
Dizem que sou ambiciosa
Que não sou caridosa.
Incluiram-me entre os usurários
Porque não critica os industriaes
Que tratam como animaes.
– Os operários…


– Carolina Maria de Jesus, em “Meu estranho diário”. São Paulo: Xamã, 1996, p. 151-153. (grafia original


Fonte Revista Prosa e Verso 
 
Leia sobre Carolina Maria de Jesus clicando aqui

Obras da autora:
Quarto de Despejo (1960)
Casa de Alvenaria (1961)
Pedaços  de Fome (1963)
Provérbios (1963)

Obras póstumas:
Diário  de Bitita (1977) 
Um Brasil Para Brasileiros (1982)
Meu Estranho Diário (1996)
Antologia Pessoal (1996)
Onde Estaes Felicidade (2014)
Meu Sonho é Escrever - contos inéditos e outros escritos (2018)      

Imagens: site do PT e doodle do Google

 

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