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O Retrato da Santa Ficou Na Parede da Sala, crônica de Marcos Cirano

     Certo dia ele acordou e notou que ela não estava mais em casa. Também não deixou um bilhete, nem de uma só palavra: simplesmente sumiu. E fez questão de levar tudo o que era dela, coisas poucas é verdade: roupas, alguns pares de sapatos, um estojo de maquiagem, a coleção de cartas que ele lhe enviara enquanto ainda eram namorados muitos anos atrás e uma pulseira de ouro que ela ganhou no dia em que os dois casaram. O quadro com a imagem de Nossa Senhora de Fátima que ficava na parede da sala, esse ela deixou no mesmo lugar: até porque, embora comprado por ela, aquele objeto sagrado a ninguém pertencia e era preciso que ele continuasse ali, protegendo a casa onde os dois viveram uma bonita e intensa vida por quase seis décadas.      Ele não chorou naquele dia, nem resmungou como de costume quando algo lhe contrariava. Apenas ficou sem entender por que ela partiu em completo silêncio e, justo, num tempo em que a vida seguia sem qualquer desgosto... Fosse...
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Gustavo Santos, Professor Nota 10 (Edição 2025)

Foi na cidade de Carnaíba, no Sertão de Pernambuco, que nasceu o projeto que seria reconhecido, no último dia 28 de outubro, como o melhor da educação básica no Brasil, no Prêmio Educador Nota 10. O professor de química Gustavo Santos Bezerra, de 32 anos, foi o idealizador de uma iniciativa que fez os alunos da   Escola Técnica Estadual (ETE) Professor Paulo Freire   integrarem ciência e sustentabilidade com a comunidade onde vivem. Natural de Flores, também no Sertão Pajeú, Gustavo é um exemplo vivo de resistência e inovação na educação pública brasileira. Professor há oito anos, ele abraçou a missão de ir além das quatro paredes da sala de aula. Ele conta que o compromisso diário da profissão é enfrentar os desafios crescentes, trabalhando não só conteúdos, mas também outros aspectos importantes para os alunos. Para ele, educar é preparar jovens para uma realidade em constante evolução. “Ser professor é a cada dia enfrentar desafios em busca de contribuir de alguma forma par...

Flores, poema de Adélia Prado

A boa-noite floriu suas flores grandes, parecendo saia branca. Se eu tocasse um piano elas dançavam. Fica tão bom o mundo assim com elas, que nem me desprezo por querer marido. Perfumam a noite. A gaita de um menino que nunca morre toca erradinho e doce. Eu cumpro alegremente minhas obrigações paroquiais e não canso de esperar; mais hoje; mais amanhã, qualquer coisa esplêndida acontece: as cinco chagas, o disco voador,o poeta com seu cavalo relinchando na minha porta. Desejava tanto tomar bênção de pai e mãe, juntr uns pios, umas nesgas de tarde, um balançando de tudi que balança no vento e tocar na flauta. É tão bom que nem ligo que Deus não me conceda ser bonita e jovem ( um dos desejos mais fundos da minha alma) "O Espírito de Deus pairava sobre as águas..." Sobre o meu, pairam estas flores e sou mais forte que o tempo. Em: O coração disparado, Ed. Salamandra 1984, pág.23

Isso dá um filme: A Cabeça do Santo, Socorro Acioli,

Caminho      Ele não tinha mais sapatos e seus, pés, àquela altura, já eram outra coisa: um par de bichos disformes.Dois animais dentados e imundos. Duas bestas, presas aos tornozelos, incansáveis, avante, um depois do outro, avante, conduzindo Samuel por dezesseis longos e dolorosos dias sob o sol.      Nos primeiros dias o sangue e a água que minavam das bolhas arrebentadas ns seus pés chiavam em contato com o asfalto em brasa, inclemente. De tão secos, fizeram silêncio. Surgiu uma pele nova, quase um couro de cobra, esturricado, admirável engenho da natureza para os que não podem contar com nenhum lapso de piedade do inimigo. As pernas, gêmeos paradoxos: quanto mais magras, mais fortes. Os músculos cresceram, até nas canelas sujas que sustentavam as coxas de pouca carne. Ele, sujo como um desterrado, andando sempre em linha reta.     Dezesseis dias. Por vezes olhava para baixo e temia que o ventre colasse de vez nas costelas, como na histó...

Poemas da M.P.B: O Ateu Comovido, Alceu Valença ( canção dedicada a Dom Helder Câmara)

Eu vinha descendo a ladeira E ouvi no sussurro do vento Que a vida se dá por inteiro Ao homem que é só sentimento Eu vinha descendo a ladeira E ouvi no sussurro do vento Que a vida se dá por inteiro Ao homem que é só sentimento Descendo a ladeira (descendo a ladeira) Da Igreja da Sé (da Igreja da Sé) Ateu comovido (ateu comovido) Em busca de fé Descendo a ladeira Da Igreja da Sé Ateu comovido Em busca de fé Fé em Deus, fé na terra, nos astros Nos riachos, nas matas, nos lagos No trabalho, fé nos sindicatos Fé nos búzios, nas conchas do mar Descendo a ladeira (descendo a ladeira) Da Igreja da Sé (da Igreja da Sé) Ateu comovido (ateu comovido) Em busca de fé Descendo a ladeira Da Igreja da Sé Eu, ateu comovido Em busca de fé Fé em Deus, fé na terra, nos astros Nos riachos, nas matas, nos lagos No trabalho, fé nos sindicatos Fé nos búzios, nas conchas do mar Alceu homenageia d.Helder

Encontro do LivroErrante em Belo Horizonte - 2025

Juntas há 16 anos, lendo, pedindo, emprestando e compartilhando ideias sobre livro,discutindo e dando pitacos sobre assuntos diversos, nós do LivroErrante, deixamos o virtual e, enfim, começamos a nos conhecer pessoalmente.  Do dia 30/10 a 2/11 estivemos na agradabilíssima Belo Horizonte.  E o que fizemos nesses dias? O mesmo de sempre só que tomando café ou Cerveja Xapuri, no Mercado Central, na Pampulha, Praça da Liberdade, dentro de algum taxi ou Uber indo ou voltando de algum lugar.  Saidas do Recife, Rio de Janeiro e Balsas (MA) nos reunimos com a colega mineira em sua linda Beagá. Encontro divertido, feliz e valioso. Pessoalmente considerei o encontro válido e rico. A cidade é um encanto, as pessoas foram prestativas, agradáveis e guias espontâneas. Tudo aconteceu foi tão feliz que passei a rir até dos perrengues. Trouxe ótimas lembranças da cidade, guardei cada uma das colegas no coração, agora com mais carinho. Ah! Ainda tive a indicação de um livro feita pelo ...

Noite, Lirinha (em resposta a uma prosa de Manoel Filó)

Quando o dia cai vencido, cansado, fraco, doente, bem prá lá da luz da serra. A noite espelha o vestido, beija a tristeza da gente e cobre um lado da Terra. Quando a tarde cai calada e o dia despenca mudo, a noite estende o lençol. Um peito de mãe cansada muito maior do que tudo, muito mais quente que o sol. Noite do riso tristonho, noite que tanto me encanta, rainha e mãe da poesia. Dona da verve do sonho, muito mais pura que a santa, muito mais clara que o dia. Noite que leva os poetas pra dormir junto com ela. Zé da Luz foi ver Catulo, Florbela, Rita Medeiro, Noel Rosa teve pressa, Angel Augusto foi ligeiro, No peito da noite preta Cancão se sente tão bem, Pinto Velho não queria, pelejou mas foi também. E o tocadô de pandeiro, da Serra da Catingueira, Ascenso, Rogaciano, Camões, Manoel Bandeira E Lôro, do Pajeú, trocando as letras da lua, tira o L, bota o R, a lua ilumina a rua. Tira o R, bota um N, toda santa, toda nua. Tira um N, bota um S, Lourival até parece pensar que a lua é s...