O passeio que Narizinho deu com o Príncipe foi o mais belo de toda sua vida. O coche de gala corria por sobre a areia alvíssima o fundo do mar conduzido por Mestre Camarão e tirado por seis parelhas de hipocampos, uns bichinhos com cabeça de cavalo e cauda de peixe. Em vez de pingalim, o cocheiro usava os fios de sua própria barba para chicoteá-los - lept ! lept!...
Que lindos lugares ela viu! florestas de coral, bosques de esponjas vivas, campos de algas das formas mais estranhas. Conchas de todos os jeitos e cores. Polvos, enguias, ouriços - milhares de criatura marinhas tão estranhas que até pareciam mentiras do Barão de Münchausen*.
Em certo ponto Narizinho encontrou uma baleia dando de mamar a várias baleinhas novas. Teve a ideia de levar para o sítio uma garrafa de leite de baleia, só para ver a cara de espanto que Dona Benta e Tia Nastácia fariam. Mas logo desistiu, pensando:
"Não vale a pena. Elas não acreditam mesmo...".
Nisto apareceu ao longe um formidável espadarte. Vinha com o seu comprido esporão de pontaria feita para o cetáceo, que é como os sábios chamam a baleia. O Príncipe assustou-se.
Lá vem o malvado! - disse ele. - esses monstros divertem-se em espetar as pobres baleias como se elas fossem almofadinhas de alfinetes. Vamo-nos embora , que a luta vai ser medonha.
Recebendo ordem de voltar, o Camarão estalou as barbas e pôs os "cabecinhas de cavalo" no galope.
De volta ao palácio o Príncipe deixou a menina e a boneca na gruta de seus tesouros, indo cuidar dos preparativos da festa. Narizinho pôs-se a mexer em tudo... Quantas maravilhas! Pérolas enormes aos montes. Muitas, ainda na concha, punham as cabecinhas de fora, espiavam a menina e escondiam-se outra vez de medo de Emília. Caramujos,então, era um nunca se acabar - de todos os jeitos possíveis e imagináveis. E conchas! Quantas, Deus do céu!
Narizinho teria ficado ali a vida inteira, examinando uma por uma todas aquelas joias, se um peixinho de rabo vermelho não viesse da parte do Príncipe dizer que o jantar estava na mesa.
Foi correndo e achou a sala de jantar ainda mais bonita que a sala do trono. Sentou-se ao lado do Príncipe e gabou muito a arrumação da mesa.
- Artes das senhoras sardinhas - disse ele. São as melhores arrumadeiras do reino.
A menina pesou consigo:
"Não é à toa que sabem arrumar-se tão direitinhas dentro das latas...".
Vieram os primeiros pratos - costelas de camarão, filés de marisco, omeletes de ovos de beija-flor, linguiça de minhoca - um petisco que o Príncipe não gostava muito.
Enquanto comiam, uma excelente orquestra de cigarras e pernilongos tocava a música do fium, regida pelo Maestro Tangará, de batuta no bico. Nos intervalos três vaga-lumes de circo fizeram mágicas lindas, entre as quais foi muito apreciada a de comer fogo. Para lidar com fogo não há como eles.
Encantada com tudo aquilo, Narizinho batia palmas e dava gritos de alegria. Em certo momento, o mordomo do palácio entrou e disse umas palavras ao ouvido do Príncipe.
- Pois mande-o entrar - respondeu este.
- Quem é? - quis saber a menina
- Um anãozinho que nos apareceu aqui ontem para contratar-se como bobo da corte. Estamos sem bobo desde que o nosso querido Carlito Pirulito foi devorado pelo peixe-espada.
O candidato ao cargo de bobo da corte entrou conduzido pelo mordomo e logo saltou para cima da mesa, pondo-se a fazer graças. Narizinho percebeu incontinênti que o bobinho não passava do Pequeno Polegar, vestido com o clássico saiote de guizos e uma carapuça também de guizos na cabeça. Percebeu mas fingiu não ter desconfiado de nada.
- Como é o seu nome? - perguntou-lhe o príncipe
- Sou o gigante Fura-Bolos! - respondeu o bobinho sacudindo os guizos.
Polegar não tinha o menor jeito para aquilo. Não sabia fazer caretas engraçadas, nem dizer coisas que fizessem rir. Narizinho teve um grande dó dele e disse-lhe baixinho:
- Apareça na no sítio de vovó, senhor Fura-bolos. Tia Nastácia faz bolinhos muito bons para serem furados. Vá morar comigo, em vez de levar essa vida idiota de bobo da corte. Você não dá para isso.
- Nesse momento reapareceu na sala a baratinha de mantilha, de nariz erguido para o ar como quem fareja alguma coisa.
- Achou o fugido? - perguntou-lhe o Príncipe
- Ainda não - respondeu ela -, mas aposto que anda por aqui.Estou sentindo o cheirinho dele.
E farejou outra vez o ar com seu nariz de papagaio seco.
Apesar de ser muito burrinho, o Príncipe desconfiou que o tal Fura-Bolos fosse o mesmo Polegar.
-Talvez esteja - disse ele. - Talvez Polegar seja o bobinho que veio oferecer-se para substituir o Carlito Pirulito. Para onde foi? - indagou correndo os olhos ao redor. - Estava aqui ainda agora, não faz meio minuto...
Procuraram o bobinho por toda parte, inutilmente. É que a menina, mal viu entrar na sala a diaba da velha, disfarçadamente o tinha agarrado e enfiado na manga do vestido.
Dona Carochinha remexia por todos os cantos, até dentro das terrinas, sempre resmungona.
- Está aqui, sim. Estou sentindo o cheirinho dele cada vez mais perto. Desta feita não me escapa.
- Vendo-a aproximar-se mais e mais, Narizinho perturbou-se. E para disfarçar gritou:
- Dona Carochinha está caducando. Polegar usa as botas de sete léguas e, se estivesse aqui, já deve estar na Europa.
A velha deu uma risada gostosa.
- Não vê que não sou boba! Assim que desconfiei que ele andava querendo fugir, fui logo tratando de trancar suas botas na minha gaveta. Polegar fugiu descalço e não me escapa.
- Há de escapar, sim! - gritou Narizinho em tom de desafio.
- Não escapa, não! - retrucou a velha -, e não escapa porque já sei onde está. Está escondido na sua manga, ouviu? - e avançou para ela.
Foi um reboliço na sala. A velha atracou-se com a menina, e certamente que a subjugaria se a boneca, que estava na mesa ao lado de sua dona, não tivesse tido a bela ideia de arrncar-lhe os óculos e sair correndo com eles.
Dona Carochinha não enxergava nada sem óculos, de modo que ficou a pererecar no meio da sala como cega, enquanto a menina corria a esconder o Polegar na gruta dos tesouros, bem lá no fundo de uma concha.
- Fique aqui bem quietinho até que eu volt - recomendou-lhe.
E regressou à sala, muito lampeira de sua façanha.
*Militar alemão karl Friedrich von Münchausen narrava suas aventuras de maneira fantasiosa e ficou conhecido como "barão das mentiras"
Reinações de Narizinho, Ed.Globo, São Paulo 2009.
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