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Mulheres da Fuvest (5): Júlia Lopes de Almeida (Memórias de Martha) Matéria de Isabella Andrade

Resumo do livro ‘Memórias de Martha’

O romance Memórias de Martha, primeiro da escritora Júlia Lopes de Almeida, foi publicado inicialmente como folhetim em 1888 e compilado em livro no ano seguinte, 1889, um ano antes de O Cortiço, de Aluísio Azevedo. Classificado como um romance memorialista, a obra é uma autobiografia ficcional narrada em primeira pessoa. A protagonista, Martha, narra os acontecimentos mais marcantes de sua vida, desde a infância até o momento da narrativa, que coincide com a morte de sua mãe.

Cenário e contexto histórico

A história se passa no final do século XIX. Quando jovem, Martha perde o pai, e sua mãe, também chamada Martha, precisa trabalhar como engomadeira para sustentar as duas. A renda escassa obriga-as a morar em um cortiço no bairro de São Cristóvão, na então capital do Império, Rio de Janeiro. Martha descreve o cortiço como um lugar úmido, fétido, devido a um matadouro próximo, e o quarto onde viviam como estreito, abafado e escuro. É de se notar que esse espaço do cortiço representa as mazelas da classe pobre carioca.

Enredo

Ao longo das memórias, acompanhamos o crescimento de Martha e o despertar de sentimentos como inveja e paixão, além de sua percepção sobre a miséria que vivia. Ela acompanha a mãe nas casas das freguesas, uma das quais insiste para que Martha frequente a escola. Apesar das dificuldades de acesso à educação, elas conseguem se mudar para uma casa próxima ao colégio onde Martha começa a estudar, na esperança de melhorar suas condições de vida e para fugir do cortiço.

O tempo passa, e Martha filha recebe um diagnóstico de histeria, com a recomendação de casamento como “cura”. Durante as férias, ela vai a Palmares com uma professora e se apaixona por Luís, um homem vivaz e aventureiro, em contraste com sua personalidade séria e tímida. Contudo, seu amor não é correspondido, o que ela atribui à sua feiura e pobreza. Durante esse período, Martha escreve cartas para sua mãe, que as compartilha com um cliente, Miranda, viúvo e pai de dois filhos. Miranda se apaixona por Martha, por seu intelecto e pelos seus escritos.

O casamento, a transgressão e o sacrifício

Martha decide participar de um concurso para professora e é aprovada. Miranda a pede em casamento, mas ela inicialmente recusa, pois não quer se casar sem amor. Pressionada pela mãe, que afirma que “a reputação de uma mulher é essencialmente melindrosa”, Martha aceita o casamento, mas o encara como “uma vingança pelos ultrajes que sua imaginação de moça sempre sofrera”. Oito dias após o casamento, sua mãe falece. A recusa inicial de Martha ao noivado é considerada uma transgressão para a época, pois contraria as expectativas sociais de submissão feminina e dependência financeira.

Uma reflexão sobre a sociedade da época

Todos os personagens ao longo da trama são essenciais para que o leitor reflita sobre a sociedade daquela época e se essa realidade ainda permanece. A obra ressalta o papel de Martha mãe, uma mulher fortíssima que enfrentou a maternidade com muita dificuldade, porém trabalhou duro até o fim de sua vida para ajudar a sua filha, com a esperança de dar uma vida melhor à ela, de dar a Martha um futuro diferente do que ela teve.

A importância da obra

O romance retrata a realidade sofrida das mulheres no século XIX, marcada pela falta de acesso à educação e à saúde, pela luta pela independência financeira e pela submissão social. Júlia Lopes de Almeida aborda, em um livro curto, temas como pobreza, miséria e as dificuldades enfrentadas por mulheres que resistem ao destino imposto pela sociedade.

Em poucas páginas, a autora expõe de forma brilhante a crueldade da realidade vivida por muitas mulheres, enquanto celebra a capacidade de superação e independência femininas.

Sobre a autora

Júlia Valentim da Silveira Lopes de Almeida nasceu no Rio de Janeiro, em 24 de setembro de 1862. Escritora, cronista, teatróloga e abolicionista, foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras. Sua obra é vasta, abrangendo literatura infantil, romances, crônicas, peças teatrais e artigos jornalísticos. 

Em 1886, mudou-se para Lisboa, onde iniciou sua carreira literária, publicando Contos Infantis em parceria com sua irmã em 1887. De volta ao Brasil em 1888, lançou seu primeiro romance, Memórias de Martha, em folhetins do jornal O País. Também colaborou com publicações femininas, como a revista A Mensageira, dirigida por Presciliana Duarte de Almeida entre 1897 e 1900. Foi presidente honorária da Legião da Mulher Brasileira, fundada em 1919.

Júlia faleceu em 30 de maio de 1934, no Rio de Janeiro, devido a complicações renais e linfáticas decorrentes da febre amarela. Outras obras da autora incluem: A Família Medeiros (1892), A Falência (1901), Traços e Iluminuras (1887) e Ânsia Eterna (1903).


Fonte: Portal do Enem


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