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Mostrando postagens de janeiro, 2020

Alma Nua, Vander Lee

Ó Pai Não deixes que façam de mim O que da pedra tu fizestes E que a fria luz da razão Não cale o azul da aura que me vestes Dá-me leveza nas mãos Faze de mim um nobre domador Laçando acordes e versos Dispersos no tempo Pro templo do amor Que se eu tiver que ficar nu Hei de envolver-me em pura poesia E dela farei minha casa, minha asa Loucura de cada dia Dá-me o silêncio da noite Pra ouvir o sapo namorando a lua Dá-me direito ao açoite Ao ócio, ao cio À vadiagem pela rua Deixa-me perder a hora Pra ter tempo de encontrar a rima Ver o mundo de dentro pra fora E a beleza que aflora de baixo pra cima Ó meu Pai, dá-me o direito De dizer coisas sem sentido De não ter que ser perfeito Pretérito, sujeito, artigo definido De me apaixonar todo dia De ser mais jovem que meu filho E ir aprendendo com ele A magia de nunca perder o brilho Virar os dados do destino De me contradizer, de não ter meta Me reinventar, ser meu próprio Deus Viver menino, morrer poeta

Encanto, Marcelo Valença

     Umas duas noites atrás choveu. Ainda tem sereno no ar quando o sol começa a nascer e o barro da estrada ainda está razoavelmente assentado. Agora bem cedo seu Ulisses está com as vacas na beira da estrada e os três me parecem contentes. Quando passo ele me acena breve com a cabeça, deixando o sorriso suave durar um pouco mais.       Já a professora Irene me encontrou mais à frente no caminho da escola, como sempre. Ela sorria também e parecia que continuava o sorriso de seu Ulisses. Como se sorrissem no gerúndio.        -Tu pensou na pergunta do consultor?      Ela me perguntou assim bem devagar. E ainda ficou parada como um mandacaru para esperar resposta.      Ora, se pensei! Claro que pensei. Estou pensando ainda agora mesmo e já pensei tanto pensamento que você nem imagina. A Irene é bem intencionada, coitada. Gostou da conversa do consultor e quer sair fazendo da escola uma revolução. Mas não é ela quem tem que responder na secretaria. Quem responde por aquele band

A Jornalista Suzana Valença Recomenda.

    Olá!    Este mês eu li Factfulness, do médico e pesquisador Hans Rosling (que eu fiquei chamando de velhinho sueco). O livro é um maravilhoso descanso para o monte de notícias ruins que lemos todos os dias. Rosling mostra todo o progresso que a humanidade fez nos últimos séculos e aponta caminhos possíveis para continuarmos evoluindo.           Terminei a leitura com uma visão melhor do mundo mas sem "dourar a pílula". O livro é uma coleção de dados, gráficos e estudos. Quando você tiver com vontade de dizer "vem, meteoro", lembre-se que já erradicamos doenças, aumentamos o acesso de crianças à educação, e fazemos arte. Temos a capacidade e a inteligência para resolver os problemas que enfrentamos hoje.  A jornalista Suzana Valença recomenda o livro Factfulness e eu recomendo o site da jornalista

Só Cinco Vezes Na Vida, José Cândido de Carvalho

 Vinte anos poliram o falecimento de Fifi Mendonça. Foi nessa época que a viúva Mendonça confessou para uma amiga do peito:      — Marido bom era Fifi! Chegava cedo em casa, todo recoberto de pacotes de manteiga e pão quente. Tinha a mania de seguro de vida. Fui a esposa mais segurada de São João de Meriti. Só na hora de dormir é que Mendonça mudava. Vinha de revólver engatilhado e indagava com boca de lobo e olho em fogo: “dona Jurubaldina, onde está o mancebo teu amante, dona Jurubaldina?”. E danava a percorrer os armários de não deixar uma só peça sem vistoria. Quando dava na veneta, subia de gato pelo teto em risco de quebrar a canela. Uma vez foi parar no forro da casa em ceroulas e de garrucha na mão. Como sou mulher direita, em quinze anos de casamento só cinco vezes Mendonça pegou gente dentro do meu guarda-vestido. No mais, foi rebate falso. Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicom Caricatura de: Agripino Grieca

Nascido em 12 de janeiro: Rubem Braga

     Madrugada      Todos tinham-se ido, e eu dormi. Mesmo no sonho me picava, como um inseto venenoso, a presença daquela mulher. Via os seus joelhos dobrados; sentada sobre as pernas, na poltrona, descalça, ela ria e falava alguma coisa que não podia perceber, mas era a meu respeito. Eu queria me aproximar; ela e a poltrona recuavam, passavam sob outras luzes que brilhavam em seus cabelos e em seus olhos.      E havia muitas vozes, de homens e de outras mulheres, ruído de copos, música. Mas isso tudo era vago: eu fixava a jovem mulher da poltrona, atento ao jogo de sombra e luz em sua testa, em sua garganta, nos braços: seus lábios moviam-se, eu via os dentes brancos, ela falava alegremente. Talvez fosse alguma coisa dolorosa para mim, eu percebia trechos de frases, mas ela estava tão linda assim, sentada sobre as pernas, os joelhos dobrados parecendo maiores sob o vestido leve, que o prazer de sua visão me bastava; uma luz vermelha corou seu ombro esquerdo, desceu pelo braço c

Nascido em 9 de janeiro: João Cabral de Melo Neto

O Poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, faria hoje 100 anos. Para quem está  acostumado a ligar o autor  a Morte e Vida Severina,  recomendo assistir a essa obra em animação.  Nunca viu?  Vai lá.  Mas se você quiser vê-lo como um avô ou até como apreciador de futebol, tenho essas sugestões: Esta criancinha é Dandara que teve um avô apaixonado, como a maioria dos netos, mas com o privilégio deste avô ser um poeta. Me devo isso esse livro. A filha do poeta, Inês Cabral, estava fazendo o filme O Auto do Frade, baseado no poema do mesmo nome, em 2013 quando fiz essa postagem. O poema de João Cabral de Melo Neto conta a história de Frei Caneca. Não sei se o filme ficou pronto. Alguém me informa? Aprendi com Juca Kfouri  e com Inês Cabral sobre o atleta e torcedor João Cabral.  Como sabemos João Cabral de Melo Neto foi jogador do Santa Cruz F.C do Recife porque a mãe dele queria, mas ele torcia por outro time o América.  Na postagem, um poema típico do apaixo

Morte e Vida Severina | Animação - Completo

Nascido em 4 de janeiro: Casimiro de Abreu

Desejo Se eu soubesse que no mundo Existia um coração, Que só’ por mim palpitasse De amor em terna expansão; Do peito calara as mágoas, Bem feliz eu era então! Se essa mulher fosse linda Como os anjos lindos são, Se tivesse quinze anos, Se fosse rosa em botão, Se inda brincasse inocente Descuidosa no gazão; Se tivesse a tez morena, Os olhos com expressão, Negros, negros, que matassem, Que morressem de paixão, Impondo sempre tiranos Um jugo de sedução; Se as tranças fossem escuras, Lá castanhas é que não, E que caíssem formosas Ao sopro da viração, Sobre uns ombros torneados, Em amável confusão; Se a fronte pura e serena Brilhasse d’inspiração, Se o tronco fosse flexível Como a rama do chorão, Se tivesse os lábios rubros, Pé pequeno e linda mão; Se a voz fosse harmoniosa Como d’harpa a vibração, Suave como a da rola Que geme na solidão, Apaixonada e sentida Como do bardo a canção; E se o peito lhe ondulasse Em suave ondulação, Ocultando em brancas vestes Na mais branda