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Mostrando postagens de setembro, 2020

O Pecado da Língua Comprida, Regina Ruth Rincon Caires

       A tarde da última sexta-feira do mês era reservada para o benzimento das crianças.       Com chuva ou com sol, nesse dia, todos os deveres da manhã eram acelerados, o almoço saía mais cedo, e logo estávamos a caminho. Sempre acompanhadas de três adultos, invariavelmente mulheres, as crianças desmamadas seguiam em fila indiana para o sítio de Dona Genoveva. Os pequenos, que ainda mamavam no peito, não careciam de passar o ramo. Minha mãe e minha avó eram as acompanhantes titulares: a avó já era velha, não mais teria filhos, e eu, com seis anos, era a caçula da minha mãe. As outras tias ainda estavam no período parideiro. E como pariam! A cada ano, a fila indiana ficava maior.       A benzedura que Dona Genoveva fazia nas crianças era contra verme, feito lombrigueiro. À frente e fechando a fila, a tia e a mãe, e no meio, a avó. Todas no controle zeloso do bando. Usávamos roupas domingueiras e, nos pés, as inseparáveis alpargatas: azuis para os meninos e vermelhas para as meninas. 

O Paciente Improvável, Alonso Alvarez

         Eles não podiam perder tempo. A fila de macas era longa e interminável, dando voltas pelos corredores. Fazia calor. Noite quente de outono. ⠀⠀⠀⠀⠀Lúcio suava por debaixo da cebola. Cebola, era assim que ele chamava o traje que vestia todos os dias ao entrar no turno. Os colegas zombavam de seu excesso de proteção. Ele não ligava. Tirava dinheiro do próprio bolso para comprar EPIs numa pequena importadora de produtos chineses onde a namorada trabalhava. Vestia três proteções a cada turno. ⠀⠀⠀⠀⠀Já Orlando, colega de enfermaria, vestia o EPI padrão, fornecido pelo hospital, com a logomarca da prefeitura. Nesta noite de quarta-feira, ele estava virado, emendara o seu turno com o anterior, pois fora escalado para substituir Adriana, que havia sido internada com o teste positivo do vírus. Antes de vestir o EPI e iniciar a longa jornada de 24 horas, ele passou na capela do hospital para orar pela amiga. ⠀⠀⠀⠀⠀Estava com muita sede. Fazia horas que não bebia nem comia nada. Nem ia ao ba

Barak Obama Indicou. Você Já Leu Algum?

     Vi na Revista Bula   que o ex presidente Barak Obama tinha indicado alguns livros. Obama fez as indicações numa entrevista concedida a Michiko Kakutani para o The New York Times.       Jéssica Chiareli da Revista Bula selecionou as indicações que tem edição em português.        Será que eu já li algum?  Vamos ver o que Barak Obama sugeriu?             Os Nus e os Mortos (1948) Norman Mailer    Um pelotão de jovens soldados norte-americanos percorre o terreno traiçoeiro que atravessa a ilha de Anopopei, ocupada pelos japoneses na Segunda Guerra. Apanhados na confusão do combate, eles são empurrados até aos limites da resistência humana. Mantidos juntos apenas pela vontade crua da sobrevivência, e mal conseguindo manter vivos os seus sonhos, cada um dos homens encontra as suas esperanças e medos mais profundos O Carnê Dourado  (1962)Doris Lessin -  A escritora Anna possui quatro cadernos de notas: um de capa preta, no qual relembra as experiências de sua juventude na África; um de

Nascido Com a Primavera: Gonzaguinha. Começaria Tudo Outra Vez

(Simone e Daniel Gonzaga) Começaria tudo outra vez Se preciso fosse, meu amor A chama em meu peito Ainda queima, saiba Nada foi em vão A cuba-libre dá coragem Em minhas mãos A dama de lilás Me machucando o coração Na sêde de sentir Seu corpo inteiro Coladinho ao meu E então eu cantaria A noite inteira Como já cantei, cantarei As coisas todas que já tive Tenho e sei, um dia terei A fé no que virá E a alegria de poder Olhar prá trás E ver …

Língua Na Areia, Natalia Borges Polesso

  ⠀⠀⠀⠀⠀Além do mais, já não tinha medo. Era questão de entendimento mútuo. Não pensou nem por um segundo que um dos dois pudesse ser tão velhaco. Só que um dos dois era. O frio arrepiava tanto a pele que eu parecia uma galinha depenada. Miúda e desengonçada. Pescoço fino, dobrável, maleável vareta. Já não tinha aflição de areia. Tinha desejo de meter a língua nos pequenos buracos de tatuíras. Sentir a cócega do sal. Sentir a cócega da água. Sentir a cócega do bicho cavando areia, sumindo dentro do mundo. Sumindo para ser encontrado depois, criatura ancestral. Imagina se fosse do meu tamanho. Ou do tamanho de uma galinha. As praias erodidas. O mar se demorando em chegar à costa, porque precisaria preencher os vãos. A língua dançando no vazio. Me chamavam para fazer uma fotografia. Mas eu não ouvi. O vento era tanto que carregou o pedido para longe. Carregou o meu nome para longe. Se desfez em sílabas em sons nasais, em língua colada no céu. Da minha boca tirei os cabelos grudados. E com

Livraria Imperatriz, 90 anos

     A  Genuinamente pernambucana  Livraria Imperatriz  é um caso de sucesso.  Foi fundada por Jacob Berestein em 1930.  A  empresa familiar  começou na R. da Imperatriz (dai o nome) que fica numa área que foi reduto de judeus no passado. Ah, Clarice Lispector morava muito perto.  Por um período (1967 e 1991) a livraria especializou-se em livros didáticos, depois com a entrada da geração mais jovem ao negócio a livraria voltou diversificar-se.   A Livraria Imperatriz, viu duas grandes redes abrirem e, recentemente, fecharem algumas lojas. Ela, ao contrário, manteve-se e abriu outras lojas. A mais nova fica no Shopping Difusora, em Caruaru, a capital do forró. Todas as lojas estão atendendo pelas redes sociais, whatsapp e telefone. Todas fazem entrega.

Melhores Livros Infantis do Ano.

 Chegou a  lista com os 30 melhores livros infantis divulgados pela Revista Crescer. Os livros premiados este ano foram lançados no ano passado.  Quase Ninguém Viu –  Aline Abreu  (A partir de 3 anos)  - Estava ali um pequeno bichinho entre tantos em uma planta de uma história. O livro anuncia: chegou “como uma gota em fim de chuva”. Ploft. Será que alguém percebeu? Ele se misturou ao grupo, aprendeu a cuidar e a ser cuidado, pulou. Entre os pulos, cresceu e notou que não era como os outros. Quase ninguém viu, mas ele, sim. Entre cores e sombras, quis saber de onde vinha. Na delicadeza da ponta de seus lápis e pincéis, a autora Aline costura à narrativa visual uma busca poética por algo que precisamos procurar para ver melhor, assim como os verdadeiros afetos.  Uma Canção de Urso  –  Benjamin Chaud | Tradução Luciana Veit ( A partir de 2 anos) -   Hibernação, abelha, mel. Estão ali neste livrão (36 cm x 24 cm!) do autor francês os elementos de uma típica história de urso. Mas esta nar

Nascido em 10 de setembro: Ferreira Gullar.

        Como o poeta nós já conhecemos bastante, hoje, dia em que  completaria 90 anos, trago trabalhos em papel cartão, para a gente explorar um lado menos conhecido de Ferreira Gullar.   A Revista SIM, trouxe algumas obras    da exposição   Relevos   realizada no mês de julho na   Dan Galeria , em São Paulo. Em vídeo (2004) Ferreira Gullar explica não se considerar um artista plástico. Diz que começou a fazer colagens e desenhos por acaso e a habilidade acabou transformando-se num hobby. A reportagem de Manuel Costa Pinto pode ser vista aqui .  

Beethoven e o telessexo, Manoel Herzog

⠀          “Sex Call-Center, boa noite, com quem falo?”           "Ludwig van.”  ⠀    “Boa noite senhor Lúdi, hoje estamos tendo uma noite promocional, estamos disponibilizando: vozes louras, disque 1; índias, disque 2; asiáticas, disque 3; outras etnias disque 4.”  ⠀⠀⠀⠀Desde uma Europa branca, erudita e cansada, desejoso de uma voz negra-blues-singer-gospel, disquei o quatro.  ⠀⠀⠀⠀“Certo, senhor Lúdi, ainda fala comigo. Que tipo de etnia o senhor estaria desejando?”  ⠀⠀⠀⠀“Na verdade uma voz negra, que case bem o ritmo com minha linha melódica. Questão de harmonia. ⠀⠀⠀⠀         “Certo, senhor Lúdi, vamos estar direcionando o senhor para a atendente Sarah. Bom divertimento. O número de seu cartão de crédito, por favor.”  ⠀⠀⠀Durante a operação tive a satisfação egóica de sempre que ligo no telefoda – ouvir uma composição minha.  ⠀⠀⠀“tananã – nanã – nanã – nanã  ⠀⠀⠀tanananã – tanananã…”  ⠀⠀⠀Para melhor compreensão do meu Für Elise aplique à onomatopeia acima a melodia do cami