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Mostrando postagens de abril, 2019

M.P.B Poesia: Coração Nativo, Moraes Moreira

Oh! que mar sereno ou vendaval Oh! que céu moreno ou coqueiral Oh! que azul veneno eu vejo em ti Nativo coração de lata Cachoeiras e cascatas a cantar chuá, chuá Chuá, quem ta com sede quer chorar, quer chorar Quem balança a rede quer sonhar Chora um bandolim no céu de prata E a tristeza da mulata vai dormir em outro lugar Chora um bandolim no céu de prata E a tristeza da mulata vai dormir em outro lugar Êêê...ôôô.... Coração Nativo: ouça AQUI.

Os Tigres de Tozamurai-No-Ma, Manuel António Pina

Ninguém os vira antes, nem Naonobu, emboscados na matéria da madeira inexistindo puros e interiores. Capturados pela astúcia do carmim e do oiro na cerimónia da pintura correm imóveis entre as cerejeiras. Os seus olhos impacientes presos do lado de fora fitam com ira os turistas. Leia mais do mesmo autor

A Astúcia do Cachorro, Aparecido Raimundo de Souza

           No tempo que os animais falavam, conta uma lenda que um cachorro estava no meio da floresta, se banqueteando com restos de ossos quando atrás dele, uma onça faminta, de garfinho, faca e guardanapo no pescoço se preparou para dar o bote. Pressentindo que viraria almoço, o coitado, mais que depressa, pensou rapidamente numa saída. Assim, sem se mover gritou o mais alto que pode:      – HUMM!… QUE ONÇA DELICIOSA ACABEI DE DEVORAR…      Ouvindo essas palavras, a onça se assustou. Ato contínuo abortou o pulo pretendido, deu meia volta e saiu correndo, só parando quilômetros depois, exausta, e à beira de um riacho de águas cristalinas:      – Escapei por pouco, daquele cachorro!…      Entretanto, do alto de um pé de jequitibá um sem vergonha de um macaco assanhado assistiu a tudo.     Dando uma de fofoqueiro, correu a contar sobre o golpe do cachorro:      – Então é isso?      – Sem tirar nem por…      – Pois ele me paga!… Venha atrás de mim e veja o que faço co

O Enterro de Sinhô, Manuel Bandeira

      J. B. SILVA, o popular Sinhô dos mais deliciosos sambas cariocas, era um desses homens que ainda morrendo da morte mais natural deste mundo dão a todos a impressão de que morreram de acidente. Zeca Patrocínio, que o adorava e com quem ele tinha grandes afinidades de temperamento, era assim também: descarnado, lívido, frangalho de gente, mas sempre fagueiro, vivaz, agilíssimo, dir-se-ia um moribundo galvanizado provisoriamente para uma farra. Que doença era a sua? Parecia um tísico nas últimas. Diziam que tinha muita sífilis. Certamente o rim estava em pantanas. Fígado escangalhado. Ouvia-se de vez em quando que o Zeca estava morrendo. Ora em Paris, ora em Todos os Santos, subúrbio da Central. E de repente, na Avenida, a gente encontrava o Zeca às três da madrugada, de smoking, no auge da excitação e da verve. Assim me aconteceu uma vez, e o que o punha tão excitado naquela ocasião era precisamente a última marcha carnavalesca de Sinhô, o famoso Claudionor… que pra susten

O Homem Atento, Marina Colasanti

            Por mais que recuasse com a memória, aquele homem não encontrava em sua vida um só momento em que não estivesse estado atento. Atento a tudo, plenamente, abertos os sentidos como se o seu corpo fosse a porta de entrada do mundo. Não dormia. Mal comia. Os olhos sempre despertos viam o que acontecia à sua frente, e pareciam ver com igual clareza o que acontecia atrás, ou mesmo longe deles. O nariz captava todos os cheiros, decifrava todos os perfumes. Os ouvidos distinguiam os componentes do silêncio tão bem quanto os da algazarra. Sentado numa almofada, assim prestava atenção, certo de que, enquanto tomasse conhecimento de tudo o que acontecia, estaria controlando a organização do mundo. Imóvel, sem permitir que qualquer distração viesse perturbá-lo, abrindo em sua vigilância uma brecha por onde pudesse entrar a desordem.

Entrevista - Mia Couto

Como o João Guimarães Rosa lhe influenciou? Influenciou muito, mais do que qualquer outro autor do mundo. Porque ele me mostrou um caminho, me ajudou a resolver esse divórcio entre as vozes do meu mundo e a escrita. Foi o que ele fez: a sua linguagem poética colocou em diálogo as falas do sertanejo e a escrita urbana e erudita. Moçambique é um país que vive em absoluto na oralidade. Rosa me deu a licença poética que eu necessitava. Todos os contos são pequenas obras-primas. Talvez  Sagarana  tenha sido o menos surpreendente. Mas eu comecei pelas  Primeiras estórias . E esse encontro me marcou definitivamente. Em  Grande Sertão , o personagem Diadorim representa as diversas ambiguidades e paradoxos. Ele é personificação do bem e do mal, do feminino e do masculino, da certeza e da dúvida. Concorda que seja uma característica que dialoga com a nossa “modernidade líquida”, em que a noção de verdade está sendo corrompida pelo mundo digital? A grande literatura alimenta-se sempre

M.P.B Poesia: Viver é Dever, Djavan

Tudo vai mal, muito sal Nada vai bem pra ninguém Nessa pressão, quem há de dar a mão? Pra que o mundo saia lá do fundo pra respirar E não morrer Tem que plantar muito mais Reflorestar ideais Ideia boa não acontece à toa Uma vida pra ser bem vivida tem que se dar Acudir, amparar, prestar mais atenção Pois viver é dever, se negar é pior, merecer cada mão A paixão é o sol que se espalha no ar Mesmo ao anoitecer Pois viver é dever, se negar é pior, o melhor é viver No mesmo dia de sol que traz o amarelo A nuvem esconde o arrebol no mundo paralelo Nem queira saber, meu amor, o quanto eu te quero No mesmo dia de sol que traz o amarelo A nuvem esconde o arrebol no mundo paralelo Nem queira saber, meu amor, o quanto eu te quero Tem que plantar muito mais Reflorestar … Este poema está no novo cd de Djavan. Vesúvio

A Rã Sábia, Monteiro Lobato

     Como a onça estivesse para casar-se, os animais todos andavam aos pulos, radiantes, com olho na festa prometida. Só uma velha rã sabidona torcia o nariz àquilo. O marreco observou-lhe o trejeito e disse: — Grande enjoada! Que cara feia é essa, quando todos nós pinoteamos alegres no antegozo do festão? — Por um motivo muito simples — respondeu a rã. Porque nós, como vivemos quietas, a filosofar, sabemos muito da vida e enxergamos mais longe do que vocês. Responda-me a isto: se o sol se casasse e em vez de torrar o mundo sozinho o fizesse ajudado por dona sol e por mais vários sóis filhotes? Que aconteceria? — Secavam-se todas as águas, está claro. — Isto mesmo. Secavam-se as águas e nós, rãs e peixes, levaríamos a breca. Pois calamidade semelhante vai cair sobre vocês. Casa-se a onça, e já de começo será ela e mais o marido a perseguirem os animais. Depois aparecem as oncinhas — e os animais terão que agüentar com a fome de toda a família. Ora, se um só apetite já nos faz

As Palavras, Manuel António Pina

As que procurei em vão, principalmente as que estiveram muito perto, como uma respiração, e não reconheci, ou desistiram e partiram para sempre, deixando no poema uma espécie de mágoa como uma marca de água impresente; as que (lembras-te?) não fui capaz de dizer-te nem foram capazes de dizer-me; as que calei por serem muito cedo, e as que calei por serem muito tarde, e agora, sem tempo, me ardem; as que troquei por outras (como poderei esquecê-las desprendendo-se longamente de mim?); as que perdi, verbos e substantivos de que por um momento foi feito o mundo e se foram levando o mundo. E também aquelas que ficaram, por cansaço, por inércia, por acaso, e com quem agora, como velhos amantes sem desejo, desfio memórias, as minhas últimas palavras. Fonte: Revista Piaui. Leitura recomendada: Estamos Todos No Mesmo Time

O Tempo, Mário Quintana

A  vida é o dever que nós trouxemos para fazer em casa. Quando se vê, já são seis horas! Quando de vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal… Quando se vê, já terminou o ano… Quando se vê perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê passaram 50 anos! Agora é tarde demais para ser reprovado… Se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas… Seguraria o amor que está a minha frente e diria que eu o amo… E tem mais: não deixe de fazer algo de que gosta devido à falta de tempo. Não deixe de ter pessoas ao seu lado por puro medo de ser feliz. A única falta que terá será a desse tempo que, infelizmente, nunca mais voltará.

O Terrorista Elegante, Mia Couto e José Eduardo Agualusa.

Mia Couto esteve no Recife para evento na Universidade Católica de Pernambuco e lançamento do livro O Terrorista Elegante. Ingressos esgotados em 24 horas. Perdi o evento e não me dando por vencida, comprei o livro na versão digital. Quando li a sinopse da livraria descobri que os dois, são mais exagerados do que eu pensava.   Vejam a sinopse de que falo:          Em projeto exclusivo para a Editora Planeta Brasil, o primeiro livro escrito a quatro mãos por dois dos maiores autores da língua portuguesa: Mia Couto e José Eduardo Agualusa Ao longo de muitos anos de amizade, o moçambicano Mia Couto e o angolano José Eduardo Agualusa, dois dos principais autores africanos de língua portuguesa, escreveram três peças a quatro mãos. Neste livro, nascido de conversas informais na histórica Paraty, essas três peças foram reunidas, depois de devidamente adaptadas pelos próprios autores para o formato de contos. Em O terrorista elegante, um angolano é preso em Portugal por suspeit

Pássaro Azul, Regina Ruth Ricon Caires

Talvez o desconforto tenha começado no momento em que chegara ao mundo, quando aquela invasiva claridade do holofote, na sala de parto, acertou o seu olhar, impiedosamente. Acho que foi ali, ou em qualquer outro lugar. A única coisa que sabia era que havia um desconforto, um descompasso. Nascera diferente. Di-fe-ren-te -palavra estigmatizante, um codinome que ecoou nos pensamentos durante seus inocentes nove anos. Reiteradamente dita, parecia gravada nos lábios que lhe falavam, nos olhos que lhe fitavam, nos gestos de espanto que lhe dirigiam. E, ironicamente, ele não falava. Ouvia silenciosamente, mudo. E, por ser assim diferente, gozava de certas regalias. Não lhe cabiam tarefas, era livre. Se é que é possível ser livre dentro do alcance das vistas de adultos. E sua cabeça voava, gostava de voo. O carrinho não era conduzido na pista desenhada do brinquedo, o trenzinho não corria nos trilhos. O fascínio estava no girar das rodas, no girar das hélices, no girar, girar. E no voar