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A Formosa Vassalissa, conto russo

 Há muito tempo atrás, num reino distante, vivia um rico mercador com a mulher e a sua única filha que se chamava Vassalissa. A menina era linda como um sonho. E também era gentil e educada. Ao completar oito anos, sua mãe adoeceu e presenteou a menina com uma bonequinha mágica.

 

- Filha, cuide muito bem dela e ela sempre a protegerá. Nunca, jamais, fale dela a ninguém. E tem outra coisa: sempre que você se sentir em perigo ou precisar de alguma ajuda, dê para ela comida e bebida que a boneca vai ajudar.


Passado algum tempo, a mãe de Vassalissa faleceu. O seu pai, preocupado por não ter com quem deixar a menina, sempre que viajava, casou-se com uma viúva que tinha duas filhas.
A madrasta e suas filhas odiaram a menina. Tinham inveja de sua beleza e meiguice e, toda vez que o pai viajava, a madrasta inventava mil trabalhos. Não importava quanto, nem qual fosse o serviço. No tempo certo, tudo estava concluído. Como isso era possível? Simples! Vassalissa pegava sua bonequinha mágica e a alimentava. Depois pedia a boneca para realizar os trabalhos.

O tempo passou, e as meninas cresceram. Estava na hora de arrumar um bom partido.
Muitos pretendentes apareceram, mas todos tinham olhos apenas para a jovem Vassalissa! A madrasta, furiosa, decretou:

 

- Você só se casará depois de suas irmãs! E se eu permitir!

 

Certo dia, quando o pai da mocinha precisou fazer uma longa viagem de negócios, a madrasta inventou um pretexto de “mudar de ares”. Vendeu a casa em que moravam e mudou com as filhas e a enteada para outra, que ficava próxima da floresta. Nessa floresta morava a temida Baba Yagá! A bruxa simplesmente devorava qualquer pessoa que se aproximasse de sua cabana. Essa cabana foi construída em meio a uma clareira e se apoiava sobre enormes pés de galinha. Seu trinco era uma bocarra cheia de dentes afiados. E a cerca era feita de longos ossos com caveiras de olhos esbugalhados que brilhavam com chamas vermelhas.

A madrasta, todos os dias, inventava alguma tarefa que Vassalissa precisava fazer na floresta. A malvada tinha esperança de que a Baba Yagá a encontrasse e a comesse! Mas, para espanto das três malvadas, Vassalissa sempre voltava sã e salva. Assim que saia de casa, ela tirava a bonequinha, bem guardada no bolso do avental, e dava de comer. A boneca indicava caminhos que ficavam longe da casa da bruxa.

Até que a madrasta teve uma ideia. Mandou que a enteada fosse pedir fogo, lá na cabana da Baba Yagá. A moça, sem ter como escapar da tarefa, pegou sua trouxinha de comida, e, logo que se afastou da casa, começou a alimentar sua boneca. E a boneca disse:
 

- Não tenha medo, Vassalissa! Vá à casa de Baba Yagá, mas nunca se separe de mim! Eu não deixarei que nada de mal lhe aconteça!


E Vassalissa entrou na floresta. Andou bastante. Muito mesmo. Já cansada de tanto andar ela viu, numa clareira, luzes vermelhas que brilhavam assustadoramente. Ela também viu, atrás de uma cerca, a casa de Baba Yagá! E a bruxa surgiu, montada em seu pilão voador, e gritou:

 

- Quem é você, menina, que ousa invadir a minha propriedade?

- Sou Vassalissa, vovozinha. Eu não ia entrar na casa sem a sua permissão! Vim aqui a mando de minha madrasta, pedir a senhora, por favor, que nos empreste um pouco de fogo!

- E por que eu iria emprestar fogo? Diga? Você quer fogo? Para isso, terá que ficar comigo, o tempo que eu quiser, e vai fazer todo o serviço que eu mandar! E já vou avisando: Se eu não ficar satisfeita…hahaha…Você dará um belo almoço!


E assim, a Vassalissa ficou morando e trabalhando na casa de Baba Yagá! E, mais uma vez, sua bonequinha encantada veio em seu auxílio. Todo o serviço que a bruxa mandava, ela cumpria em tempo e sem reclamar. Por mais que a bruxa se esforçasse, não conseguia entender como isso era possível. E um dia perguntou:

 

- Como você consegue dar conta de todo o serviço que dou?

- Ah, vovozinha… Minha mamãe, que já partiu, é que me ajuda. Eu sou uma filha abençoada!


Quando ouviu aquilo, a Baba Yagá pulou da cadeira, berrando:

 

- Fora! Vá embora daqui! Gente abençoada me faz um mal danado!


A bruxa foi empurrando Vassalissa para fora de sua cabana. Arrancou da cerca uma caveira de olhos acesos, espetou num pedaço de pau e disse:

 

- Aí está seu pagamento! Agora suma de minha vista e não se atreva a voltar!


Vassalissa começou a correr com a caveira iluminando seu caminho. Chegou na casa da madrasta, que ficou espantada ao ver a menina. Vassalissa entregou a caveira com os olhos de fogo para a madrasta. Quando a malvada e as filhas se aproximaram daquela caveira terrível, ela lançou chamas tão fortes que as três malvadas se incendiaram e num instante viraram cinzas. Vassalissa escapou sem um chamuscado sequer.

Pela manhã, ela saiu da casa. Pediu abrigo na cabana de uma boa velhinha, até que seu pai voltasse.

Passado algum tempo, Vassalissa teve uma ideia:


- Vovó, e se eu começasse a fiar? Nós poderíamos vender os tecidos e ganhar algum dinheirinho…

 

A velhinha, que gostava muito de Vassalissa, aceitou a ideia. A menina, sempre com a ajuda de sua bonequinha, arrumou uma roca e elas teceram linho fino e delicado. Em seguida, a bonequinha arranjou um tear, e o tecido que produziram ficou tão maravilhoso que a velhinha resolveu levar para oferecer ao Rei.

O monarca gostou tanto do tecido, que logo encomendou uma dezena de camisas reais.

Vassalissa e a sua bonequinha costuraram as mais belas camisas que o Rei já vestiu. Encantado, o monarca pediu aos seus vassalos que trouxessem aquela artesã tão talentosa e assim foi feito.

Quando o Rei olhou para Vassalissa ficou completamente apaixonado e pediu a jovem em casamento.

Tempos depois, o pai de Vassalissa retornou de sua longa viagem. O homem ficou espantado com toda história que a filha contou. Ele foi morar com ela no palácio, para onde Vassalissa levou também a boa velhinha.

E a bonequinha mágica?

Ah… A bela jovem jamais abandonou sua boneca. Ela sempre a trazia consigo, escondida num dos muitos bolsos da sua roupa de rainha. A boneca continuou a dar conselhos e a ajudar a linda Vassalissa. Para sempre.

E acabou a história.


Fonte: Augusto Pessoa


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