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Mostrando postagens de junho, 2024

Educar Os Vivos - Nota do autor em As Doenças do Brasil

     O velho no fim do caminho espalhou as cadeiras pelo campo para que ao longe imitassem o rebanho.Pastoreava as cadeiras brancas da cozinha,  quietas como bichos que pasmavam perante o paisagem. Sentava numa pedra e olhava também como sobrava por ali paenas o início do mundo.Tudo o que viera depois, era, afinal, passageiro, uma forma de esperança vã, um gesto inútil contra o regresso dos montes à silvestre vocação de se imaginarem continuamenr e à revelia das pessoas. Eram em ruínas as casas antigas, debaixo de plantas novas,tombadas como esqueletos de graniro desabitados de seus animais. As casas sem ninguém, e vê-las era já haver transcendido, estar para depis da normalidade, se depois, aberrante e ao abandono.      Escutava ainda as vozes dos vizinhos mortos. O que lhe dziam da disciplina dos invernos, do agreste do verão, a partida dos filhos, as doenças à espreita, a pressa, que nnenhum vagar se salva de ser um pouco ilusão. Escutava como cantavam seu nome ao cimo dos portões p

Leitura Com Bial : Dom Casmurro.

Pedro Bial inicia clube de leitura online e gratuito com fãs: 'Vai ser uma onda' No dia 30 de junho, às 20h, o jornalista, escritor e apresentador  Pedro Bial  lança seu novo projeto, o  Leitura com Bial . A iniciativa tem o objetivo de criar experiências em torno da literatura de modo profundo e guiado, entre outros produtos. Para o encontro inaugural, que será online e gratuito, ele escolheu a obra  Dom Casmurro , de Machado de Assis. Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho? No encontro, Bial propõe discutir a obra publicada há 124 anos e desvendar esse mistério que continua atraindo novos leitores e gerando novas conspirações. Ao lado de Pedro, participam do debate o escritor Sérgio Rodrigues, autor de romances como  O drible  e  A vida futura  (em que o fantasma de Machado visita o Rio de Janeiro do século 21), e a jornalista e roteirista Camila Moraes. Para se inscrever é só  clicar aqui . O Leitura com Bial chega no momento em que as obras de Machado de Assis voltaram

Minhas Leituras no Primeiro Semestre (2024)

13 livros no primeiro semestre. Gostei muito  de alguns, mas dois deles ficaram no meu coração: Tudo É Rio , Carla Madeira e Vinte e Zinco de Mia Couto As doenças do Brasil Um buraco com meu nome Minha mãe é minha filha Tudo é rio Vinte e zinco Novos contos da montanha Cenas brasileiras O medo por trás das janelas a ridícula ideia de nunca mais te ver Por favor cuide da mamãe O bruxo do contestado a história de Joa Shuster A falência

As Doenças do Brasil, Marcio Salgado sobre o livro de Valter Hugo Mãe

O escritor português Valter Hugo Mãe inspirou-se nos povos originários da Amazônia para criar o seu novo romance  As doenças do Brasil . Nele, o guerreiro abaeté, filho do estupro de uma índia por um homem branco, vive um grande conflito ao descobrir-se diferente dos demais. Trata-se de um ato de violência que se repete historicamente de outros modos, e não deveria jamais ser naturalizado. A história é contada a partir da perspectiva abaeté – uma comunidade imaginária –, numa linguagem com todas as licenças poéticas, pois, conforme o autor, escrever é o “caminho para uma coisa nova, como se a própria língua se tornasse estrangeira”. O título do romance é uma referência ao  Sermão da visitação de Nossa Senhora , de padre Antônio Vieira (1608-1697), como mostra a extensa epígrafe do livro. Nela, o teólogo e filósofo alerta para “a causa original das doenças do Brasil: tomar o alheio, cobiças, interesses, ganhos e conveniências particulares, por onde a justiça se não guarda, e o Estado se

Festa de São João, cordel de Bráulio Bessa

Num país tão rico e belo tão grande, tão cultural Tem festa o ano inteiro Mas junho é especial É o carnaval do sertão Nossa festa de São Jo ão Cheia de gente animada Vem pra cá você também Que eu vou dizer o que tem Nessa festa arretada Tem pamonha, tem canjica Milho cozido e assado Tem beju, tem tapioca Com cafezinho coado Bolo de milho e fubá E pro cabra se esquentar Tem o famoso quentão E a boca não se aquieta Duvido fazer dieta Nas festas de São João Tem o calor da fogueira Que esquenta o coração Bandeirinhas coloridas Colorindo essa nação Tem a quadrilha do bem Que não faz mal a ninguém Que não rouba, nem desvia Só orgulha o brasileiro Não se importa com dinheiro E nem sonega alegria! Tem as ruas enfeitadas Tem matuto arrumado Todo nos panos, nos trinks Jeitoso e bem perfumado Tem tanta moça bonita Com vestidinho de chita Dançando lá no terreiro Chega a poeira levanta Nessa festa que encanta Todo o povo brasileiro. Tem forró de pé de serra Herança de Gonzagão, Que não é um inimigo

Momento, poema de Adélia Prado (Prêmio Machado de Assis de 2024)

Enquanto eu fiquei alegre, permaneceram um bule azul com um descascado no bico, uma garrafa de pimenta pelo meio, um latido e um céu limpidíssimo com recém-feitas estrelas. Resistiram nos seus lugares, em seus ofícios, constituindo o mundo pra mim, anteparo para o que foi um acometimento: súbito é bom ter um corpo pra rir e sacudir a cabeça. A vida é mais tempo alegre do que triste. Melhor é ser. Do livro: Bagagem. Adélia Prado é a vencedora do Prêmio Machado de Assis de 2024 Obras: Bagagem (1975) O Coração Disparado (1978) Soltem os Cachorros (1979) Cacos para um Vitral (1981) Terra de Santa Cruz (1981) Os Componentes da Banda (1984) O Pelicano (1987) A Faca no Peito (1988) Poesia Reunida (1991) O Homem da Mão Seca (1994) Duas Horas da Tarde no Brasil (1996) Oráculos de Maio (1999) Estreia do Monólogo Dona da Casa (2000) Quero Minha Mãe (2005) A Duração do Dia (2010) Miserere (2013)  

Quando Está Frio no Tempo de Frio, poema de Fernando Pessoa

Quando está frio no tempo do frio, para mim é como se estivesse agradável, Porque para o meu ser adequado à existência das cousas O natural é o agradável só por ser natural. Aceito as dificuldades da vida porque são o destino, Como aceito o frio excessivo no alto do Inverno — Calmamente, sem me queixar, como quem meramente aceita, E encontra uma alegria no fato de aceitar — No fato sublimemente científico e difícil de aceitar o natural inevitável. No Brasil o inverno começa oficialmente no dia 21 de junho. É quando temos a noite mais longa do ano.

Herbarium, conto de Lygia Fagundes Telles

Todas as manhãs eu pegava o cesto e me embrenhava no bosque, tremendo inteira de paixão quando descobria alguma folha rara. Era medrosa mas arriscava pés e mãos por entre espinhos, formigueiros e buracos de bichos (tatu? cobra?) procurando a folha mais difícil, aquela que ele examinaria demoradamente: a escolhida ia para o álbum de capa preta. Mais tarde, faria parte do herbário, tinha em casa um herbário com quase duas mil espécies de plantas. "Você já viu um herbário" - ele quis saber. Herbarium, ensinou-me logo no primeiro dia em que chegou ao sítio. Fiquei repetindo a palavra, herbarium. Herbarium. Disse ainda que gostar de botânica era gostar de latim, quase todo o reino vegetal tinha denominação latina. Eu detestava latim mas fui correndo desencavar a gramática cor de tijolo escondida na última prateleira da estante, decorei a frase que achei mais fácil e na primeira oportunidade apontei para a formiga saúva subindo na parede: formica bestiola est. Ele ficou me olhando.

Renovo, conto de Miguel Torga

        A Lucinda ? ­ perguntou o Pedro, coberto de suor, lívido, a acabar de sair de uma modorra de morte. ­      Está boa... ­ respondeu a mãe., com a naturalidade que pôde. ­      E porque não vem cá? ­      Isto pega­se, filho. Ela bem queria; eu é que não consinto... Uma onda de tristeza, que lhe embaciou a imagem da namorada, atravessou os olhos febris do rapaz. Depois, exausto do esforço de vir à tona do poço, desceu as pálpebras e caiu na sonolência em que vivia há dias.      No princípio da epidemia, de ouvido atento, ia vigiando o mundo através do dobrar do sino.      O som a entrar no quarto abafado e ele a inquirir, inquieto: ­     Quem foi? minha mãe? ­     O Belmiro. ­ O pai ou o filho? ­ O pai. Cuidadosa, a Felisberta varria implacavelmente o caminho de todos os espinhos que pudessem magoar as justas esperanças da mocidade. Só rodeado de gente da mesma geração, nascida e feita nas mesmas festas, nos mesmos magustos e nas mesmas ilusões, o sangue jovem pulsa com vontade.

Conversinha Mineira, Fernando Sabino

— É bom mesmo o cafezinho daqui, meu amigo? — Sei dizer não senhor: não tomo café. — Você é dono do café, não sabe dizer? — Ninguém  tem reclamado dele não senhor. — Então me dá café com leite, pão e manteiga. — Café com leite só se for sem leite. — Não tem leite? — Hoje, não senhor. — Por que hoje não? — Porque hoje o leiteiro não veio. — Ontem ele veio? — Ontem não. — Quando é que ele vem? — Tem dia certo não senhor. Às vezes vem, às vezes não vem. Só que no dia que devia vir em geral não vem. — Mas ali fora está escrito “Leiteria”! — Ah, isso está, sim senhor. — Quando é que tem leite? — Quando o leiteiro vem. — Tem ali um sujeito comendo coalhada. É feita de quê? — O quê: coalhada? Então o senhor não sabe de que é feita a coalhada? — Está bem, você ganhou. Me traz um café com leite sem leite. Escuta uma coisa: como é que vai indo a política aqui na sua cidade? — Sei dizer não senhor: eu não sou daqui. — E há quanto tempo o senhor mora aqui? — Vai para uns quinze anos. Isto é, não p

Fluente, poema de Marcelo Valença

Somos feitos de ação E, mais que isso Somos feitos de ascensão Maturamos em água E, quando prontos Somos entregues à luz E ao ar Somos feitos de senso E, mais que isso Somos feitos de descenso Crescemos buscando o céu E, quando o alcançamos Forçamo-nos a descer ao chão E aterrar Somos feitos de mudança E, mais que isso Somos feitos de perseverança Tememos despregarmo-nos do tempo E, quando o fazemos Tememos retornar ao ontem E parar Somos feitos de decisão E, mais do que isso Somos feitos de contradição Explicamos os fatos e a razão Mas, ao compreendermos Deixamos espaço para a ilusão E o medo Somos feitos e pronto Mas, mais do que isso Somos refeitos ponto a ponto Cabemos em nossos sonhos E, ao sonharmos Cabemos livres em toda a terra E em todo céu. Veja mais em in.voluntaria

A Piscina do Tio Victor, Ondjaki

                                                   Para o tio Víctor que nos dava prendas-do-dia. Para a "Buraquinhos"      Quando o tio Víctor chegava de Benguela, as crianças até ficavam com vontade de fugar à escola só para ir lhe buscar no aeroporto dos voos das províncias. A maka é que ele chegava sempre a horas difíceis e a minha mãe não deixava ninguém faltar às aulas.       Então era em casa, à hora do almoço, que encontrávamos o tio Víctor. E o sorriso dele, gargalhada tipo cascata e trovão também, nem dá para explicar aqui em palavras escritas. Só visto mesmo, só uma gargalhada dele já dava para nós começarmos a rir à toa, alegres, enquanto ele iniciava umas magias benguelenses.       - Isto vocês de Luanda nunca viram - abria a mala onde tinha rebuçados, chocolates ou outras prendas de encantar crianças, mais o baralho de cartas para magias de aparecer e desaparecer o ás de ouros, também umas camisas posteradas que nós, "os de Luanda", não aguentávamos. 

Nossas Curvas Sinuosas, Oliveira de Panelas

 Sei que a Fênix das cinzas ressuscita E o deserto acomoda os dromedários... Dá o gato, seus pulos necessários Cada um, ao seu modo, se habilita. Nosso dom, faz a vida tão bonita! Mas falhamos, nas lides dos "contrários:" Divergimos dos pâramos solidários Desprezando o melhor que nos habita! Urge o tempo que a nossa consciência  Dissemine a celeste fluorescência  Desterrando o que temos de "feroz". Nesta prece, que faço em cada verso, Rezo ao MANTRA que paira no Universo  Que restaure o amor em todos nós! João Pessoa, 21/01/23

Os Três Burricos, João Guimarães Rosa

Por estradas de montanha vou: os três burricos que sou. Será que alguém me acompanha? Também não sei se é uma ida ao inverso: se regresso. Muito é o nada nesta vida. E, dos três, que eram eu mesmo ora pois, morreram dois; fiquei só, andando a esmo. Mortos, mas, vindo comigo a pesar. E carregar a ambos é o meu castigo? Pois a estrada por onde eu ia findou. Agora, onde estou? Já cheguei, e não sabia? Três vezes terei chegado eu — o só, que não morreu e um morto eu de cada lado. Sendo bem isso, ou então será: morto o que vivo está. E os vivos, que longe vão? – João Guimarães Rosa, do livro “Ave, palavra”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 6ª ed., 2009.

Outra de Elevador, Luís Fernando Veríssimo

"Ascende" dizia o ascensorista. Depois: "Eleva-se". "Para cima". "Para o alto". "Escalando". Quando perguntavam "Sobe ou desce?" respondia "A primeira alternativa".  Depois dizia "Descende", "Ruma para baixo", "Cai controladamente", "A segunda alternativa"... "Gosto de improvisar", justificava-se.  Mas como toda arte tende para o excesso, chegou ao preciosismo. Quando perguntavam "Sobe?" respondia "É o que veremos..." ou então "Como a Virgem Maria". Desce? "Dei" Nem todo o mundo compreendia, mas alguns o instigavam.  Quando comentavam que devia ser uma chatice trabalhar em elevador ele não respondia "tem seus altos e baixos", como esperavam, respondia, criticamente, que era melhor do que trabalhar em escada, ou que não se importava embora o seu sonho fosse, um dia, comandar alguma coisa que andasse para os lados...  E