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Entre Marília e a Pátria, Frei Caneca

 
Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-m'o todo;
Marília que chore em vão.

Quem passa a vida que eu passo,
Não deve a morte temer;
Com a morte não se assusta
Quem está sempre a morrer.

A medonha catadura
Da morte feia e cruel,
Do rosto só muda a cor
Da pátria ao filho infiel.



 
Tem fim a vida daquele
Que a pátria não soube amar;
A vida do patriota
Não pode o tempo acabar.

O servil acaba inglório
Da existência a curta idade;
Mas não morre o liberal,
Vive toda a eternidade.

Nota - Há também uma variante:
Entre Marília e a pátria
Coloquei meu coração:
A pátria roubou-m'o todo;
Marília que chore em vão.

Marília, pede a teus filhos,
Por minha própria abenção,
Morram, como eu, pela pátria;
Marília que chore em vão.

Apenas forem crescendo,
Cresçam co'as armas na mão,
Saibam morrer, como eu morro;
Marília que chore em vão.

Defender os pátrios lares,
É dever do cidadão.
Quando exalem pela pátria;
Marília que chore em vão.


Imagem: estudo para Frei Caneca - Antonio Parreiras 1918 

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