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A Primavera da Lagarta, Ruth Rocha


     Grande comício na floresta! Bem no meio da clareira, debaixo da bananeira!
      Dona formiga convocou a reunião. 
     -Isso não pode continuar!
     -Não pode não! Apoiava o camaleão.
     -É um desaforo. A formiga gritava. 
     -É um desaforo!
     -É mesmo. O camaleão concordava.
     A joaninha que vinha chegando naquele instante perguntava: Qual é o desaforo, hein?
     -É um desaforo o que a lagarta faz!
     -Come tudo o que é folha! Reclamava o Louva-a-deus.
     -Não há comida que chegue!
     A lagartixa não concordava: -Por isso não que as senhoras formigas também comem.
     -É isso mesmo! Apoiou o camaleão que vivia mudando de opinião.
     -É muito diferente, depois a lagarta é uma grande preguiçosa, vive lagarteando por aí.
     -Vai ver que a lagartixa é parente da lagarta. Disse o camaleão que já tinha mudado de opinião.



     -Parente não! Falou a lagartixa. -É só uma coincidência de nome!
     -Então não se meta!
     -Abaixo a lagarta! Disse o gafanhoto. _Vamos acabar com ela!
     -Vamos sim! Gritou a libélula. Ela é muito feia!
     O Senhor Caracol ainda quis fazer um discurso: 
    -É, minhas senhoras e meus senhores, como é para o bem geral e para a felicidade nacional, em meu nome e em nome de todo mundo interessado, como diria o conselheiro Furtado, quero deixar consignado que está tudo errado. Mas como o caracol era muito enrolado, ninguém prestava atenção no coitado.
      Já estavam todos se preparando para caçar a lagarta.
     -Abaixo a feiúra! Gritava aranha como se ela fosse muito bonita.
     -Morra comilona! Exclamava o Louva-a-deus como se ele não fosse comilão também.
     -Vamos acabar com a preguiçosa! Berrava a cigarra esquecendo a sua fama de boa vida.
     E lá se foram eles, cantando e marchando:
    -Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
    -Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
    Mas, a primavera havia chegado, por toda a parte havia flores na floresta, até parecia festa. Os passarinhos cantavam e as borboletas, quantas borboletas de todas as cores, de todos os tamanhos borboletearam pela mata. E os caçadores procuravam pela lagarta:
    -Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
    -Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
    E perguntavam para as borboletas que passavam:
   -Vocês viram a lagarta que morava na amoreira? Aquela preguiçosa, comilona, horrorosa.
    As borboletas riam, riam, iam passando e nem respondiam. Até que veio chegando uma linda borboleta.
    -Estão procurando a lagarta da amoreira?
    -Estamos sim. Aquela horrorosa, comilona.
     E a borboleta bateu as asas e falou:
    -Pois, sou eu.
    -Não é possível! Não pode ser verdade! Você é linda!
     E a borboleta sorrindo explicou:
    Toda lagarta tem seu dia de borboleta, é só esperar pela primavera.
    -Não é possível, só acredito vendo!
    -Venha ver! Isso acontece com todas as lagartas. Eu tenho uma irmã que está acabando de virar borboleta.
   Todos correram para ver. E ficaram quietinhos espiando. E a lagarta foi se transformando, se transformando até que de dentro do casulo nasceu uma borboleta.
     Os inimigos da lagarta ficaram admirados
    -É um milagre!
    -Bem que eu falei. Disse o camaleão que já tinha mudado de opinião.
    E a borboleta falou:
   -É preciso ter paciência com as lagartas se quisermos conhecer as borboletas.


Fonte: blog do conto ao encanto
Imagem: www.positivandoatiudes.blogspot.com.br

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