Pular para o conteúdo principal

Natal, Olegário Mariano.


Presépio artesanal, da exposição Oriundi - SP
“Filho! Serás feliz!” – Era a voz de Maria
Que entre beijos e lágrimas dizia,
Ao ver seu grande filho que nascia
De olhos azuis e cabecinha loura.
Foi no palácio de uma estrebaria,
No berço de ouro de uma manjedoura.

Lá fora, em céu tranquilo, uma estrela  luzia.

A areia do areal machucada rangia:
Eram os passos dos camelos, eram
Três vultos numa sombra que crescia...

E os Reis Magos trouxeram
Para o Senhor do Mundo que dormia
Ouro, Mirra e Incenso.
Aleluia! Aleluia! Alegria! Alegria!

Um era preto como a noite,
Outro moreno como a tarde,
Outro era claro como o dia.

Ajoelharam-se trêmulos de espanto
Diante da estrela humana que nascia.
Mas, no silêncio, em torno só se ouvia:
- “Filho! Serás feliz!”  Sempre a voz de Maria
Martirizada, cadenciada.
Era mãe e previa
No seu saber profundo,
Como ia ser rude a jornada
E como sofreria
Seu pequenino Deus – Senhor do Mundo.


Olegário Mariano, no livro Quando Vem Baixando o Crepúsculo de 1945

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di...

Vamos pensar? (18)

Será que às vezes o melhor não é se deixar molhar?  

O Mendigo do Viaduto do Chá, Regina Ruth Rincon Caires

     A moeda corrente era o cruzeiro. A passagem de ônibus custava sessenta centavos. O ano era 1974.       Eu trabalhava no centro da cidade, em um banco que ficava na Rua Boa Vista. Morava longe, quase ao final da Avenida Interlagos, e usava diariamente o transporte coletivo. Meu trabalho, no departamento de estatística, resumia-se a somar os números datilografados em planilhas e mais planilhas fornecidas pelas agências do banco. Somas que deveriam ser checadas, e que eram efetuadas nas antigas calculadoras elétricas com suas infernais bobinas, conferidas e grampeadas nas respectivas planilhas. Não fosse o café para espantar o sono durante as diárias e rotineiras oito horas de trabalho, nenhuma soma teria sido confirmada.