Era uma vez um gato. Um, não. Dois. Era uma vez dois gatos que foram levados por uma bela garota ao castelo de um belo amigo que mais parecia um príncipe encantado. Ela achara os filhotes em uma casa mal assombrada. O garotão adorou os pequenos. A mãe do menino não e ficou muito, muito brava. Desde que se mudaram para o novo reino por lá apareceram gatos de tudo que é modelo, com filhotes, atrás de gatas, umas no cio, outros magrelos, desnutridos e interesseiros... A experiência traumatizara a jovem rainha. Devolvam os gatos, ordenou. Hoje ainda. E não voltou atrás, fria e enojada pelas fezes e caixinhas de areia, preocupada com a ração a preço de picanha (sim, rainhas também!), avessa às idas ao veterinário, castração, remédios, vacinas. Que coisa! O príncipe e seu irmão devolveram os bichos e a paz reinou no castelo até que, dias após a visita, a família vê um dos gatos espatifado na rua. Cachorro ou carruagem? não souberam precisar. O remorso, o arrependimento, a culpa e a raiva, tudo o bastante, fizeram a mulher enlouquecer e clamar pelo gatinho que sobrevivera. Achem o gato preto, imperiou a tirana. As crianças organizaram o enterro do gato azarado e resgataram, de novo, o gato guerreiro. Intencionalmente o novato conquistou seu espaço junto à realeza. A barriga inchada de vermes verdes e gosmentos foi substituída por outra, mais enxuta. O pelo brilhava. O gato dormia no colo da mãe que já não parecia distante. Com o tempo, os cuidados dos moradores com os outros gatos do castelo, eles também adotados, foi diminuindo e o bichano foi se tornando o número um. Que sorte o desgraçado teve. Banguela os amou durante três meses e três dias. Foi embora em uma tarde sem se despedir ou olhar para trás. O rei chegou a invadir o jardim de uma propriedade alheia mais de uma vez na tentativa de encontrá-lo. O casal real falou com vizinhos, interrogou transeuntes e nada do gato aparecer. Um dia o viram debaixo de uma condução, vivinho, mais magro. Chamaram seu nome. O gato saiu correndo deles, não para eles. Uma, duas, três vezes o abordaram na rua e todas as vezes ele evadia. Parecia feito de outra substância, o ingrato! Como se não fosse estranho o suficiente, ele apareceu em frente a uma pizzaria, enfiado debaixo da centésima carruagem, seu lugar preferido no mundo. O infeliz agora morava na rua. A rainha, mesmo com o amor repisado pela ingratidão, ajoelhou-se no chão, sem mágoas, palmas das mãos no asfalto sujo, cara quase que encostando nas rodas. O príncipe ao lado dela, corroído por uma vergonha interna e secreta de ver a mãe ali exposta, de bunda pra cima, falando com voz de criança no escuro da noite, vem, amorzinho, vem. Esse gato é meu, ouvem claramente. Era a dona da pizzaria. Ela surgiu de repente na janela, com uma calma e naturalidade não calculada, fazendo o herdeiro do trono embranquecer. Como? Repetiu que o gato era dela e tratou de apresentar os irmãos do gato; olha lá, aquela é a mãe entrando na garagem, entrou. Era toda uma grande família feliz. A rainha considerou brigar. Dentro do seu mundo universo ela tinha direitos afinal foram meses de dedicação e trabalho, ela carregava uma dor nova, como uma bandeira que não tremula nem em dias claros. Depois de muito refletir percebeu, com espanto, que o gato voltara para o seu verdadeiro lar. E cabisbaixos, saíram de lá para nunca mais voltar. Fim.
Leia mais no site da autora
Comentários
Postar um comentário
comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.