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Noite, Lirinha (em resposta a uma prosa de Manoel Filó)


Quando o dia cai vencido,
cansado, fraco, doente,
bem prá lá da luz da serra.
A noite espelha o vestido,
beija a tristeza da gente
e cobre um lado da Terra.
Quando a tarde cai calada
e o dia despenca mudo,
a noite estende o lençol.
Um peito de mãe cansada
muito maior do que tudo,
muito mais quente que o sol.
Noite do riso tristonho,
noite que tanto me encanta,
rainha e mãe da poesia.
Dona da verve do sonho,
muito mais pura que a santa,
muito mais clara que o dia.
Noite que leva os poetas pra dormir junto com ela.
Zé da Luz foi ver Catulo, Florbela, Rita Medeiro,
Noel Rosa teve pressa, Angel Augusto foi ligeiro,
No peito da noite preta Cancão se sente tão bem,
Pinto Velho não queria, pelejou mas foi também.
E o tocadô de pandeiro, da Serra da Catingueira,
Ascenso, Rogaciano, Camões, Manoel Bandeira
E Lôro, do Pajeú, trocando as letras da lua,
tira o L, bota o R, a lua ilumina a rua.
Tira o R, bota um N, toda santa, toda nua.
Tira um N, bota um S,
Lourival até parece
pensar que a lua é só sua.
Noite, tão querendo te matar,
já dá pra ver o sangue nas brechas do teu vestido,
um sangue vermelho aurora.
Ah não noite. É o sol do novo dia.
Os portadores da insônia e da solidão
já podem dormir em paz.
E eu Manoel Filó, o que é que eu faço?

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