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Jason, conto de Lívia Garcia-Roza

     -Ângela vem aí - e corri para dar uma última espiada no espelho do banheiro.

     Mamãe tirava a mesa. Põe e tira a mesa todo o tempo, está tão treinada que pode fazer isso de olhos fechados. Quando voltei, encontrei mamãe abraçada a um dos pratos, perguntando quem era Ângela. Uma garota, respondi. Jason meu irmão, descaço, peito nu, passando por mim, empurrou minha cabeça:

     -Aí garoto! - e continuou se jogando nas poltronas. Mamãe diz que Jason está compondo; precisa relaxar para aguardar inspiração.

     Jason tem dezoito anos e eu catorze e meio. Mamãe diz que meu irmão parece artista de cinema. Diz também que o que aconteceu ao Jason foi raro - obra do Criador. A beleza é algo divino, ela agradece, revirando os olhos para o alto.

     Eu ainda não cresci, mas parece que um dia isso vai acontecer. Quiseram até me levar ao médico porque continuo do mesmo tamanho; com meu pai também foi assim, e hoje é alto à beça, não mais que o Jason. Não sou bonito, mas é possível que eu venha a ficar.Todo mundo muda, mamãe diz. Estou com espinhas, por causa da idade. Também uso aparelho, mas tem data marcada pra tirar. Acho que as espinhas estouram enquanto durmo.É a primeira coisa que vejo ao acordar.

Bem, mas agora a campainha tocou pra vale, e o porteiro, vendo Ângela, deixou-a passar com suas asas. Anjo, Anja, Ângelo.

     Ela chegou! Deóculos escuros. Atravessou a sala batendo as sandálias de salto, com a cara tapada pela bola de chiclete que mascava.  Ângela anda como se pisasse em ondas, às vezes se desequilibra e quase cai. Não pude apresentá-la à minha mãe e ao Jason porque ela foi entrando direto, e eu atrás dela. Só deu tempo de eu apontar a porta do meu quarto.

     Pensei tanto em Ângela e agora ela estava ali à minha frente engolindo meus olhos. ainda em pé, ela se dependurou em seus cabelos vermelhos com as mãos de unhas pintadas de roxo, puxando-os cada vez mais para baixo. Gosto mais de Ângela do que do meu time de botão. Do vestido curto, saiam suas pernas longas rabiscadas de corações. Seus peitos ofegantes quase pulavam de decote ( correu para via à minha casa?...) Em um deles havia o dsenho de uma borboleta que a todo momento ameaçava voar. Gosto mais de Ângela do que de jogar futebol. Ângela tinha anéis em todos os dedos da mão e em alguns dedos dos pés. Brincos  de vários tamanhos contornavam a borda de suas orelhas de onde exalava um perfume fodal (palavra composta por Jason).

     De vez em quando, Ângela olhava para a porta. Devia estar preocupada que alguém entrasse e nos visse tão juntos.

     Nesse instante, em qua ainda estava de pé, tentei, sem que ela visse,passar a mão nos seus cabelos.

     Ângela que vozeirão. Legal conversar assim: de voz para voz. 

     Insisti em passar a mão nos seus cabelos (Jason diz que é para insistir) então ela me empurrou e eu caí pra trás batendo com a cabeça nos tacos. Ângela riu, e disse que queria jogar gamão.  Ângela é forte, calada, decidida. Sempre quis alguém assim. Peguei o tabuleiro e arrumei as minhas pedras. Ao tentat arrumar as dela, Ângela me deu um safanão e as pedras voltaram a se espalhar. Nova arrumação. Antes do jogo começat, ela perguntou onde era o banheiro, e lá ficou um tempão.

     Na volta, sntados na beira da cama, demos início à partida. Jogávamos, enquanto Ângela estourava bola atrás de bola que eu tentava pegar. A cada vez que me aproximava, ela a engolia de volta. Jogamos e ângela ganhou. No final levantou-se rindo, batendo com os ounhos na minha cabeça. Então, eu disse para ela deitar pra fazermos amor.

     - Hein!?

     Fazer amor, repeti. Ela então, me puxando pelos cabelos, virou minha cabeça pra trás ameaçando pôr uma das pedras na minha boca para que eu engolisse a derrota. Depois disseque eu era um derrotado, pirralho e burro.

     Em seguida, jogou a caça para frente e para trás, varias vezes, afogueando a cara. Quando eu perguntei o que fazia, exclamou:

     - Me penteando, idiota!

     Nesse instante, girou subtamente o corpo e, numa arrancada, saiu se equilibrando em ondas cada vez mais altas; minha respiração correu atrás, chamando-a de volta.

     Ângela cruzou a sala em direção à porta, Mamãe e meu irmão acompanharam com os olhos, mas ela continuou em frente, com seus passos desacertados, e, se adiantando, alcançou a maçanete; virando-se para trás, tirou a bola da boca, murchou rapidamente entre seus dedos, e eu estremeci antes dela dizer:

     - Alma suja! - e voltou a por o chiclete na boca, lambeu os dedos e bateu a porta.

     Virei as costas, saí correndo e me tranquei no banheiro, ouvindo mamãe me chamando. No espelho, ente meus olhos confuss, surgiram os nomes Ângela e Jason - dentro de um coração.

Em:13 Dos Melhores Contos de Amor da Literatura Brasileira, Rosa Amanda Strausz (organizadora),Ediouro 2002, págs,21-23

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