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Haverá Um Dia, César Feitoza


Haverá um dia em que as flores do nosso jardim murcharão
Por falta de água ou amor ou os dois
E este jardim apenas existirá na minha memória pois
Dele veio o nosso mais belo fruto
Um rebento forte, inteligente e arguto
Que prova ao mundo que o jardim não terá sido em vão.

Haverá um dia em que o teu cheiro
Será apenas como o cheiro de alguém na rua
E que a silhueta do teu corpo inteiro
Jazendo nu em meio à cama nua
Será apenas um passado distante
De alguém que um dia se fez teu amante

Haverá um dia em que o lirismo, a dor e a poesia
Não rimarão mais o amor, você e eu
Não haverá sofrer e tampouco fantasia
Como alguém que era cego e agora via
Como um músico que tocasse com maestria
E percebesse então um dia que seu público morreu

Haverá um dia em que Montenegro, Russo ou Belchior
Ou mesmo Chico “trocando em miúdos”
Não farão mais sentido como fazem agora
E ao cantar não me deixarão mudo
Por que para cada arrebol tem uma aurora
E a que há de vir será inda melhor.


Haverá um dia em que por essas vias
Tão tortuosas do meu coração
A tristeza amarga e a dor não passarão
E o amor e o prazer andarão alegremente
E poderei dizer que “finalmente,
Não são mais suas, minhas poesias”.

Haverá um dia e eu sei que haverei de ver
Que esse vendaval será só uma brisa
Que irá me refrescar e me deixar à guisa
De ter de volta os sonhos que o amor refaz
E então as músicas que fiz para você
Serão só músicas e nada mais.


Texto gentilmente cedido pelo autor.
Imagem: Pixabay


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