Pular para o conteúdo principal

O Pedaço de Pão com Pasta de Goiaba!, Magdala Valença

      Ela sentava-se muitas vezes numa cadeira de baloiço. Seus frágeis braços frágeis descansando na madeira, seu cabelo sempre amarrado e nesses olhos castanhos profundos, um olhar de tristeza. Sempre que eu a ia visitar, não tinha a certeza do que dizer e tinha cuidado para não fazer algo que a pudesse perturbar. Mas ela era gentil, atenciosa, consciente das nossas necessidades. Em algum momento durante o dia ela nos ofereceu um lanche. O engraçado é que foi o momento culminante da nossa relação distante.

     Acontece que foi esse momento para todos os nossos netos. Um pedaço de pão francês com pasta de goiaba ou manteiga misturada com açúcar. Delicioso em qualquer medida padrão de como os lanches vão e muito apreciados. Eu ainda me lembro de seus modos, seus modos aparentemente indiferentes, mas eu respeitava isso e nunca tentei pressionar meus sentimentos nela. Não havia necessidade de fazer tais coisas porque o amor não se restringe a um conjunto específico de emoções, gestos e palavras. O amor vem de muitas maneiras para todos nós e nós aceitamos ou aceitamos. Aceitei o amor dela à sua maneira, e aquela sanduíche disse-me que ela gostava de mim. 
     O meu vovó Guiomar era um mistério para mim, mas tudo de uma forma muito boa. Muitas pessoas disseram que eu sou parecida com ela e quando eu envelhecer percebo que há uma grande semelhança. Por isso, estou a partilhar consigo para o dia da mãe um pequeno vislumbre de uma senhora muito especial, uma bela senhora. Mesmo que a minha relação com vovó Guiomar fosse muito diferente da minha outra avó, eu amava-a pela pessoa que ela era. 
     Então amanhã faz o dia da mãe especial ao deixar os que ao seu redor sabem através de pequenos gestos que são importantes. 
    Quem sabe se um pedaço de pão com pasta de goiaba ou manteiga misturada com açúcar pode ser o presente certo? Feliz dia da mãe, feliz sábado, Shabat Shalom.

Nota: texto copiado do facebook com o conhecimento da autora que permitiu a postagem no blog.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.