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Bancos & Catedrais,João Cabral de Melo Neto

Quando de carro comigo
por Sevilha, Andaluzia,
passando por cada igreja,
recolhida, te benzias.

Pela larga Andaluzia
ninguém se engana de igreja:
amplas paredes caiadas
comportais pardos, de pedra.

Contudo, quando comigo
pela Vila de Madrid,
notei que tu te benzias
passando o que, para ti,
lembrava vulto de igreja.
O que era monumental
fazia-te imaginar:
eis mais outra catedral.

Sem querer, não te enganavas:
se não eram catedrais
eram matrizes de bancos,
o verbo de onde as filiais.

Só erravas pela metade
benzendo-te em frente a bancos;
quem sabe foram construidos
para lucrar desse engano?

Em: Neto, João Cabral de Melo, A Literatura Como Turismo, Seleção e texto: Inez Cabral. Rio de Janeiro: Alfaguara,2016, pág 84-85

Imagem: Viagem Comigo

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