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O Circo O Menino e a Vida, Mário Quintana

A moça do arame
equilibrando a sombrinha
era de uma beleza instantânea e fulgurante!
A moça do arame ia deslizando  e despindo-se.
Lentamente.
Só pra judiar.
E eu com os olhos cada vez mais arregalados
até parecerem dois pires:
Meu tio dizia:
"Bobo!
Não sabes
que elas trazem uma roupa de malha por 
                                                          [baixo?"
(Naqueles voluptuosos tempos não havia maiôs nem
                                                          [biquínis...)
Sim! Mas toda a deliciante angústia dos meus olhos
                                                           [virgens
segredava-me
sempre:
"Quem sabe?..."

Eu tinha oito anos e sabia esperar.

Agora não sei esperar mais nada
Desta nem da outra vida,
No entanto
o menino
(que não sei como insiste em não morrer em mim)
ainda e sempre
apesar de tudo
apesar de todas as desesperanças,
o menino
às vezes
segreda-me baixinho
"Titio, quem sabe?..."

Ah meus Deus, essas crianças

Em: Quintana, Mário, Nariz de Vidro, São Paulo,Ed.Moderna,2017,págs.10-11
Imagem: Portal do Professor 

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