No começo, falei com mais frequência do
que o normal com Lisa e Erich, meus filhos. Eu ligava, e eles me faziam um
milhão de perguntas que eu não tinha certeza de como responder, ou então eles
ligavam só para saber se eu estava bem, se tinha dúvidas ou coisas desse tipo.
Depois de algumas semanas, passamos a nos falar com menos frequência e certa
tensão. Durante esse período, eles precisaram falar mais entre si do que
comigo, pois precisavam lidar com o choque e talvez com a alegria e com o medo.
Lisa me ligava, eu chorava e ela só dizia: “Mãe, eu te amo. ”
Erich veio me visitar. Levou-me para
jantar no Balaban’s e ficou sentado do outro lado da mesa examinando meu rosto
com atenção. Convencido, então, de que
pelo menos a minha aparência continuava a mesma, passou um longo tempo sentado
bebendo seu vinho sem dizer nada. Finalmente começou com:
- Espero que você não esteja com medo
disso tudo. Vai ser bom para você. – Era uma tática clássica sua: me reconfortar,
quando era ele quem estava morrendo de medo de alguma coisa.
- Não, não estou com medo – falei. - E espero
que você também não esteja.
- Medo? Eu, não. Só preciso reajustar
minha bússola. Você e a minha casa sempre estiveram no mesmo lugar – disse ele.
- E ainda estaremos. Só que agora a sai casa
e eu vamos estar em Veneza – respondi.
Eu conhecia a diferença entre ir para a
universidade sabendo que sua casa ficava a poucas centenas de quilômetros de distância
e ver a mãe desmontar essa casa e ir morar na Europa. Agora a casa dele estaria
a 10 mil quilômetros e não seria acessível nos fins de semana prolongados. E
havia também aquela pessoa chamada Fernando. O acontecimento foi bem menos
dramático para minha filha, pois já fazia muitos anos que ela morava em Boston,
onde estava muito envolvida com sua vida afetiva, seus estudos, seu trabalho.
Desejei que meus filhos pudessem se sentir parte desse meu futuro, mas aquilo não
estava acontecendo a nós três juntos, como a maioria dos eventos d de nossa
vida até então. Dessa vez, algo estava acontecendo apenas comigo. Parte de mim sabia
que nós éramos um time antigo, que mesmo um oceano seria capaz de separar.
Outra parte sabia que a infância deles estava acabando e que, de um jeito
estranho, a minha estava começando.
As partes realmente preciosas da minha
vida são portáteis, não dependem de geografia. Por que eu não deveria ir morar
às margens de uma lagoa no Adriático comum estranho de olhos cor de mirtilo sem
deixar nenhum rastro de migalhas de biscotti
para achar o caminho de volta? Minha
casa, meu carro chique, até mesmo o meu país natal não eram, por definição, eu.
Meu santuário, meu eu sentimental eram viajantes experientes. E eles iriam
aonde quer que eu fosse.
Mil dias em Veneza, Marlena de Blasi,
tradução Fernanda Abreu . Rio de Janeiro, Sextante, 2010, pags. 41-43
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