(José Borba)
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- Pode me dizer que horas são?
- Duas. Duas menos três minutos.
Agradeceu e sorriu. Se o Anísio estivesse ali diria
logo que era um gado e atracaria o gado. Ele se afastou. Disfarçadamente
examinava a mulher. Aquilo era fácil. O Anísio? O Anísio
já teria dado um jeito. Na boca é que a gente conhece a sem-vergonhice
da mulher. Parecia nervosa. Abriu a bolsa, mexeu na bolsa, fechou a bolsa. E
caminhou na direção dele. Ele ficou frio sem saber que fazer.
Passou ralando sem um olhar. Tomou o viaduto. O bonde vinha vindo. O nevoeiro
atrapalhava a vista mas parece que ela olhou para trás. Mais uns segundos
perdia o bonde. O último bonde que ia para a Lapa. Achou que era uma
besteira não ir dormir. Resolveu ir. O bonde parou diante do refúgio.
Seguiu. Correndo um bocadinho ainda pegava. Agora não pegava mais nem
que disparasse. Ficar com raiva de si mesmo é a cousa pior deste mundo.
Pôs um cigarro na boca. Não tinha fósforos. Virando o cigarro
nos dedos seguiu pelo viaduto. Apressou o passo. Não se enxergava nada.
De repente era capaz de esbarrar com a mulher. Tomou a outra calçada.
Esbarrar não. Mas precisava encontrar.
Afinal de contas estava fazendo papel de trouxa.
Afinal de contas estava fazendo papel de trouxa.
Quem sabe se seguiu pela Rua Barão de Itapetininga?
Mais depressa não podia andar.
Garoar, garoava sempre. Mas ali o nevoeiro já não era tanto felizmente. Decidiu. Iria indo no caminho da Lapa. Se encontrasse a mulher bem. Se não encontrasse paciência. Não iria procurar. Iria é para casa. Afinal de contas era mesmo um trouxa. Quando podia não quis.
Agora que era difícil queria.
Garoar, garoava sempre. Mas ali o nevoeiro já não era tanto felizmente. Decidiu. Iria indo no caminho da Lapa. Se encontrasse a mulher bem. Se não encontrasse paciência. Não iria procurar. Iria é para casa. Afinal de contas era mesmo um trouxa. Quando podia não quis.
Agora que era difícil queria.
Estava parada na esquina. E virada para o lado dele. Foi
diminuindo o andar. Ficou atrás do poste. Procurava ver sem ser visto.
Alguma cousa lhe dizia que era aquele o momento. Porém não se
decidia e pensava no bonde da Lapa que já ia longe. Para sair dali esperava
que ela andasse. Impacientava-se. BARBEARIA BRILHANTE. Dezoito letras. Se continuava
parada é que esperava alguém. Se fosse ele era uma boa maçada.
Sua esperança estava na varredeira da Limpeza Pública que vinha
chegando. A poeira a afugentaria. Nem se lembrava de que estava garoando. Pôs
o lenço no rosto.
A mulher recomeçou a andar. Até que enfim.
E ele também rente aos prédios. Agora já tinha desistido.
Viu as horas: duas e um quarto. Antes das três e meia não chegaria
na Lapa. Talvez caminhando bem depressa. Precisava desviar da mulher senão
era capaz de parar de novo e pronto. Daria a volta na praça. Ela tinha
tomado a rua do meio. Então reparou que outro também começara
a seguir a sujeita. Um tipo de capa batendo nos calcanhares e parecia velho.
Primeiro teve curiosidade. Curiosidade má. Depois uma espécie
de despeito, de ciúme, de orgulho ferido, qualquer cousa assim. Nem ele
nem ninguém. Cada vez apressava mais o passo. O tipo parou para acender
um cigarro. Era velho mesmo, tinha bigodes brancos caídos, usava galochas
e se via na cara a satisfação. Não. Isso é que não.
Nem ele nem o velho nem ninguém. Nem que tivesse que brigar. Mas por
que não ele mesmo? Resolveu: seria ele mesmo.
Via a ponta da pele caída nas costas. De repente
ela parou e sentou-se num banco. Sentia o velho rente. E agora? Fez um esforço
para que as pernas não parassem. A mulher virou o rosto na direção
dele. Quem é que estava olhando? O velho? Mas a sujeita endireitou logo
o rosto, abaixou a cabeça. Vai ver que o olhava sem ver. Passou como
um ladrão, o coração batendo forte e sentou-se dois bancos
adiante. Prova de audácia sim. Mas não podia ser de outro modo.
O velho também passou, passou devagarzinho, depois de passar ainda se
virou mas não parou. Tinha receio de suportar o olhar do velho. Começou
a passar o lenço no rosto. Já era pavor mesmo. Por isso tremia.
O velho continuou. Dava uns passos, virava para trás, andava mais um
pouquinho, virava de novo. No fim da praça ficou encostado numa árvore.
A sujeita se levantou, deu um jeito na pele, veio vindo.
Com toda a coragem a fixava. Impossível que deixasse escapar de novo
a ocasião. Bastaria um sorrisozinho. Mas nem um olhar quanto mais um
sorriso. Mulher é assim mesmo: facilita, facilita até demais e
depois nada. Só dando mesmo pancada como recomendava o Anísio.
Bombeiro é que sabe tratar mulher. Já estava ali mesmo: seguiu-a.
O velho estava esperando com todo o cinismo. O gozo dele foi que quando ela
ia chegando pegou outra rua do jardim e o velho ficou no ora veja. Vá
ser cínico na praia. Não é que o raio da sujeita apressou
o passo? Melhor. Quanto mais longe melhor. Preferia assim porque no fundo era
um trouxa mesmo. Reconhecia.
Ela esperou que o automóvel passasse (tinha mulheres
dentro cantando) para depois atravessar a rua correndo e desaparecer na esquina.
Então ele quase que corria também. Dobrou a esquina. Um homem
sem chapéu e sem paletó (naquela umidade) gritava palavrões
na cara da sujeita que chorava. À primeira vista pensou até que
não fosse ela. Mas era. Dando com ele o homem segurou-a por um braço
(ela dizia que estava doendo) e com um safanão jogou-a para dentro do
portão. E fechou o portão imediatamente. Uma janela se iluminou
na casinha cinzenta. Ficou ali de olhos esbugalhados Alguém dobrou a
esquina. Era o velho. Maldito velho. Então seguiu. E o outro atrás.
Nem tinha tempo de pensar em nada. Lapa. Lapa. Puxou o
relógio: vinte e cinco para as três. Um quarto para as quatro em
casa. E que frio. E o velho atrás. Virou-se estupidamente. O velho fez-lhe
um sinal. O quê? Não queria conversa. Não falava com quem
não conhecia. Cada pé dentro de um quadrado no cimento da calçada.
Assim era obrigado a caminhar ligeiro.
- Faz favor, seu!
Favor nada. Mas o velho o alcançou. Não podia
deixar de ser um canalha.
- Diga uma cousa: conhece aquele xaveco?
Fechou a cara. Continuou como se não tivesse ouvido.
Mas o homem parecia que estava disposto a acompanhá-lo. Parou. Perguntou
desesperado:
- Que é que o senhor quer?
Por mais um pouco chorava.
- Onde é que ela mora?
- Não sei! Não sei de nada!
O velho começou a entrar em detalhes indecentes.
Não agüentou mais, fez um gesto com a mão e disparou. Ouvia
o velho dizer: Que é que há? Que é que há? Corria
com as mãos fechando a gola do paletó. Só depois de muito
tempo pegou no passo de novo. Porque estava ofegante a garganta doía
com o ar da madrugada. Lapa. Lapa. E pensava: A esta hora é capaz de
ainda estar apanhando.
Em: Laranja da China Alcântara Machado
Em: Laranja da China Alcântara Machado
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