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O Mistério da Casa Mágica,Ariane Bomgosto




                             
    Há muito tempo atrás, na pequena vila de Águas Claras, todos viviam na mais perfeita harmonia. As famílias se conheciam umas às outras, as crianças brincavam juntas perto do riacho e costumavam se reunir à noite, em frente à casa abandonada, que ficava no alto de uma colina. A casa era o mistério da vila, pois nunca alguém havia entrado lá e voltado para contar como era. Uma das menininhas de Águas Claras, porém, era muito curiosa e faminta. Seu nome era Molly. E todas as vezes que passava em frente à velha casa, dava uma espiadinha e tinha vontade de entrar.
Os pais diziam aos filhos que na casinha não morava ninguém, mas Molly sabia que não era verdade, pois sempre que passava por ali sentia um cheiro tão gostoso que era impossível não parar e ficar sonhando com o que estava sendo feito naquela cozinha. O cheirinho saía da chaminé e impregnava todo o vilarejo, mas os mais velhos continuavam a dizer que não havia ninguém cozinhando ali dentro.
Molly nunca tinha visto a dona da “casinha mágica” – como ela gostava de chamar -, até que um dia tomou coragem e bateu à porta:
- Quem é?, respondeu de dentro uma voz cansada.
- Sou eu, a Molly, disse a pequena. Meus pais dizem que aí não mora ninguém, mas eu sei que a senhora existe e gostaria de conversar um pouco.
- Vá embora Molly, nenhum dos pais nunca deixará que seus filhos conheçam a minha velha casa.
- Não vou não, retorquiu Molly. O cheiro que vem daí é muito bom e eu estou faminta. Se abrir, posso comer um pedaço de bolo e depois eu vou embora. Ninguém vai descobrir.
Uma velhinha com uma cara bondosa abriu devagar a porta. Quando a pequena Molly olhou ao redor, ficou maravilhada. Havia biscoitos em forma de coração por toda a casa, chocolates borbulhando nas panelas e umas bolachas dentro de uns potinhos. Ainda tinha o mel feito na hora que jorrava sem parar de dentro das vasilhas em formato de ursinhos. Mas o que mais surpreendeu Molly foram as árvores no fundo do quintal cheinhas de frutas fresquinhas, que podiam ser tiradas do pé e deliciadas na hora.
- Por que a senhora não abre a sua casa para que todos venham aqui ver todos estes quitutes maravilhosos? indagou Molly.
- Ah, pequena Molly, infelizmente nem todas as pessoas pensam como você, falou a velhinha. Todos os pais de Águas Claras acham que o ato de cozinhar assim, por puro prazer, é um pecado, e não deixam que seus filhos venham me visitar!
- Pois a partir de hoje, falarei a todas as crianças que no alto deste vale existe uma pessoa com mãos de fadas, falou empolgada a menininha. E todos, crianças e adultos, virão aqui provar todas estas iguarias. E eu garanto, quando entrarem aqui e virem que linda casa você tem, não haverá mais preconceito com a senhora nem com as delícias que faz.
Dentro de poucos dias, Molly organizou uma festa e convidou a todos da vila. Não disse que as comidas seriam preparadas pela senhorinha misteriosa. Todos amaram as comidas e entenderam que é o amor o que dá o gosto especial aos alimentos. Desde então, a “casinha mágica” passou a ser visitada todos os dias por todos que queriam aprender a arte da culinária ou simplesmente comprar alguma das delícias. A pequena vila deixou de se chamar Águas Claras e passou a ter o nome de “Casa Mágica”, em homenagem à senhora que lá vivia. Depois desse dia, o mundo inteiro quis conhecer “Casa Mágica” e a vila ficou pequena para tantos visitantes.

Ariane Bomgosto é jornalista e escritora. E-mail:
arianebomgosto@yahoo.com.br



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