Pular para o conteúdo principal

Divagando Com Livros de Sebo, Regina Porto

    
Quem tem mania(vício? doença?) de ler parece adquirir uns hábito estranhos.          
     Estive olhando os livros de sebo que possuo. Uns são novos. Bem perto de minha mão esquerda tem um  Moacyr Scliar que comprei por  menos que a metade do preço.  Chegou vindo do Rio de Janeiro e, conforme informado, em excelente estado de conservação. 
     - Será que o dono não gostou? 
   - Como não gostou se eu adorei esse livro? 
    - Te aquieta, Regina! Vai ver que o dono precisou de espaço na estante. 
     - É, pode ser. 
    - Ou talvez seja um desapegado fã do autor que pôs à venda  o livro depois de tê-lo emprestado a vários amigos como você mesma faz.  
     - É mesmo.
     Ainda à minha esquerda e na letra M, achei Contos Reunidos. Ah! esse livro é um tesouro: foi comprado porque eu queria  encontrar um conto citado pelo colunista da Revista Veja e que até aquela data não existia no Google. Passou a existir com a minha postagem e eu fiquei me achando, claro. Disse que o livro é um tesouro porque  rabiscos e anotações  são uma história paralela.
     É uma edição de 1977, com ligeiro amarelado do tempo, anotações e destaques. Já imagino que a dona,  sim, presumi que era uma mulher, foi estudante dedicada. Em alguns títulos fez indicação do livro onde estava contido o conto. Sublinhou: "... na simplicidade da escrita, como ideal da arte literária..." e  mais adiante: "... da arte como a contemplação superior da vida..." e mais vários trechos da apresentação de Josué Montello para o livro de Marques Rebelo.
     Essa moça, estudante de Letras conforme determinei divagando, não só deliciou-se com os formidáveis textos do autor como aprendeu um bocado. Fez anotações como quem sabe e como quem quer saber; o que é melhor.
    Vejo que anotei: "Etager"*, que eu suponho ser  um móvel  como um do quarto de minha avó, mas é melhor procurar no dicionário. Aposto que a estudante sabe.
     Ah! livros de sebo são formidáveis!  Tenho 3 Olegário Mariano.  Um deles, o segundo da obra completa, veio literalmente caindo aos pedaços.      Imagino um senhor bonito e tímido que empresta o livro ao primo e este, intentando parecer romântico, presenteia a namorada com o livro alheio. Enganou a mocinha e desfalcou a biblioteca do primo.  
     O tempo e o muito ler das poesias, danificaram o exemplar até que décadas depois o exemplar chega às minhas mãos sem a capa da frente e a segunda capa completamente solta e sem um pedaço. O outro volume da obra está mais bem conservado e tem uma dedicatória: "Do papai para o Spineli".  Será que os netos desse Spineli gostam de poesia? Conhecem Olegário Mariano?
     Por que não olhar também para os carimbos, manchas de mofo, datas, furos de traça que os livros de sebo trazem?  São pequenas histórias independentes acrescentadas ao  texto do autor. Numa página amarela, vejo pelo carimbo que esse exemplar foi vendido por uma livraria que ficava no número 6 da Rua do Plano Inclinado, em Salvador. Conheci o transporte no final dos anos 70. Por causa do carimbo...ah! Corrijo: por curiosidade acabei descobrindo que o Plano Inclinado da bela cidade foi construído no século XIX. Uau!
     Quem editou o exemplar do livro de poesias que tenho e traz a dedicatória ao Spinelli, foi  a Ed. Guanabara. Ficava, segundo vejo na página mofada, na Rua dos Ourives que há muitos anos passou a chamar-se R. Miguel Couto e fica próxima à Igreja da Candelária que eu conheci um ano antes de entrar no curso de Biologia. No segundo período desse curso, estudei osteologia num livro da mesma editora, já com o nome de Guanabara Koogan.
     Quase ia esquecendo de dois achados em um excelente Pepetela que também comprei recentemente em sebo. Entre as páginas 74 e 75 do livro O Cão E Os Caluandas veio um comprovante de depósito bancário: há 13 anos S.R.P  transferiu R$417,00 para M.J.A.C. Pagou CPMF por isso. 

     E no final do livro, onde o sebista anotou que eu mudei de endereço, veio uma oração a Santo Expedito. 
     O que eu tenho a ver com depósito do passado e santinhos? Nada! Mas que esses dois papeis são pedaços de histórias são.        
     Não digo que livros de sebo são formidáveis?
     

* Do francês: étagère, é sim um móvel.

Comentários

  1. Muito bom! Tenho uma história interessante de livro de sebo também!

    ResponderExcluir
  2. Que tal me contar? você viu que sou curiosa...

    Abraço
    Regina

    ResponderExcluir
  3. Eu também sou assim... divago... divago...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

comentários ofensivos/ vocabulário de baixo calão/ propagandas não são aprovados.

Postagens mais visitadas deste blog

A Beleza Total, Carlos Drummond de Andrade.

A beleza de Gertrudes fascinava todo mundo e a própria Gertrudes. Os espelhos pasmavam diante de seu rosto, recusando-se a refletir as pessoas da casa e muito menos as visitas. Não ousavam abranger o corpo inteiro de Gertrudes. Era impossível, de tão belo, e o espelho do banheiro, que se atreveu a isto, partiu-se em mil estilhaços. A moça já não podia sair à rua, pois os veículos paravam à revelia dos condutores, e estes, por sua vez, perdiam toda a capacidade de ação. Houve um engarrafamento monstro, que durou uma semana, embora Gertrudes houvesse voltado logo para casa. O Senado aprovou lei de emergência, proibindo Gertrudes de chegar à janela. A moça vivia confinada num salão em que só penetrava sua mãe, pois o mordomo se suicidara com uma foto de Gertrudes sobre o peito. Gertrudes não podia fazer nada. Nascera assim, este era o seu destino fatal: a extrema beleza. E era feliz, sabendo-se incomparável. Por falta de ar puro, acabou sem condições de vida, e um di

Mãe É Quem Fica, Bruna Estrela

           Mãe é quem fica. Depois que todos vão. Depois que a luz apaga. Depois que todos dormem. Mãe fica.      Às vezes não fica em presença física. Mas mãe sempre fica. Uma vez que você tenha um filho, nunca mais seu coração estará inteiramente onde você estiver. Uma parte sempre fica.      Fica neles. Se eles comeram. Se dormiram na hora certa. Se brincaram como deveriam. Se a professora da escola é gentil. Se o amiguinho parou de bater. Se o pai lembrou de dar o remédio.      Mãe fica. Fica entalada no escorregador do espaço kids, pra brincar com a cria. Fica espremida no canto da cama de madrugada pra se certificar que a tosse melhorou. Fica com o resto da comida do filho, pra não perder mais tempo cozinhando.      É quando a gente fica que nasce a mãe. Na presença inteira. No olhar atento. Nos braços que embalam. No colo que acolhe.      Mãe é quem fica. Quando o chão some sob os pés. Quando todo mundo vai embora.      Quando as certezas se desfazem. Mãe

Os Dentes do Jacaré, Sérgio Capparelli. (poema infantil)

De manhã até a noite, jacaré escova os dentes, escova com muito zelo os do meio e os da frente. – E os dentes de trás, jacaré? De manhã escova os da frente e de tarde os dentes do meio, quando vai escovar os de trás, quase morre de receio. – E os dentes de trás, jacaré? Desejava visitar seu compadre crocodilo mas morria de preguiça: Que bocejos! Que cochilos! – Jacaré, e os dentes de trás? Foi a pergunta que ouviu num sonho que então sonhou, caiu da cama assustado e escovou, escovou, escovou. Sérgio Capparelli  CAPPARELLI, S. Boi da Cara Preta. LP&M, 1983. Leia também: Velho Poema Infantil , de Máximo de Moura Santos.