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Monólogo da Chuva, Aldemar Paiva



Está chovendo aí ?
E na sua vida ?
E na sua alma ?

Se chovia na noite em que nos vimos
e conversamos pela vez primeira ?
Chovia sim, e a cidade inteira
brilhava sob a chuva que caía...
A chuva, o frio, as luzes e o reflexo
daquela gente tonta no passeio,
tudo aumentava aquele meu receio
na onda de amor que me envolvia !

Se eu tremia na hora em que nos vimos,
num nervosismo incompreensível ?
Tremia sim, mas era irresistível
a força que de ti me aproximava...
E quando caprichosa pelo asfalto
a chuva fez espelhos coloridos
eu disse com ternura aos teus ouvidos
que o teu encanto me enfeitiçava !

Se era verdade o que eu te confessava
de chofre como um grito inesperado ?
Verdade sim, eu nunca tinha amado
e disse o que pensava e o que sentia...
Sorriste e em teus olhos de repente
As meninas felizes me acenaram
refletindo meus olhos que brilharam
numa ventura que eu desconhecia !

Se juntos nós andamos pela noite
quando a chuva passou, sem ter destino ?
Andamos sim, e o teu rosto divino
eu afaguei com minhas mãos grosseiras...
O sol e a chuva nos brindaram sempre
com horas de perenes alegrias
até que terminaram nossos dias
de estima e confiança verdadeiras !

Se eu fiquei triste e só quando tentada
por um capricho ou por alguém talvez,
fugiste dos meus braços certa vez ?
Eu fiquei sim. E por sinal chovia...
E a bendita chuva que te trouxe,
deixara de ser boa e te levara
enquanto nesta angústia me deixara
ilhado de saudade e de ironia...

Se eu te esqueci, agora que a lembrança
te prendeu no passado sem piedade ?
Esqueci sim. E se chega a saudade
já não me encontra com as mãos tão frias...
Teu vulto apagou-se na memória,
és uma sombra e não me fazes mal...
Agora, a chuva sim é um algoz fatal
que evoca a noite que estragou meus dias !

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