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O Trem do Paraná, José Stival

"Srs. Passageiros,
queiram tomar
seus lugares;
a R V P S C
deseja-lhes
muito boa viagem!"

RVPSC-Rede Viação Paraná-Santa Catarina: Estação Itararé
Retardatários
virão voando;
  O trem, porém,
  não se detém
  por mais ninguém
  E vai deixando
  a plataforma;
  e vai saindo
  da estação...
  -Até a volta!
  -Ciao
  -Boa viagem!

Avança que avança
no trilho sem fim,
deixando pra trás
 o bairro operário,
a triste favela,
a zona fabril...

Avança que avança
no trilho sem fim
e em tal disparada
que à beira da estrada
se deita o capim!
Avança que avança
no trilho sem fim
sacode apança 
do amigo Crispim...
E bufa que bufa
e roda que roda
vai sempre rodando
sem nunca parar!
Passagem de nível?
Convém apitar:
que o trem na carreira
não é brincadeira,
nem vem devagar!
(Huiii-hui-huiuu!)

Ao monstro que passa
envolto em fumaça,
em vênia ligeira
se inclina e cidreira,
em vênia profunda
se deita o capim...
Vai sempre rodando,
vai sempre rodando,
sem nunca parar...
Somente a fumaça
não quer viajar;
e salta pra fora
boiando no ar!

Acaso já viram
um trem cachimbar?!
De longe ou de perto,
é mais do que certo
que todos já viram
um trem cachimbar!

Seu fumo sem gosto
nos lança no rosto,
em vez de o trabar;
Seu fumo nos lança
em vez de traga?!
Parece criança,
não sabe fumar...
(Huiii-hui-huiuu!)

em todo arraial,
de tanto apitar,
não fica ninguém
sem vir apreciar:
  tanta janela
  tanta janela
 e tanto rosto
 em todas elas!...
Por quantas cidades
devemos passar?!
E em quantas, em quantas,
devemos parar?!

Os vários jornais
nos trazem notícias
dos fatos mundiais;
e tantos anúncios
em cada seção:
  compra-se, vende-se,
  compra-se, vende-se,
  tantos produtos,
  tantos terrenos,
por tanto, por tanto  
por tanto, por tanto!

O chefe de trem
acaba de entrar:
 -Bilhete, senhor?
 o chefe 'stá lá!
-Alô, senhorita?
  o chefe tá lá!
  o chefe tá lá!

O sol já rescalda
o verde-esmeralda
do terno capim.
Tão mansa a paragem
que dentro de instantes
uns silvos cortantes
virão perturbar!

O gado assustado
parou de pastar...
O próprio chupim
parou de virar;
e alegre da vida
assiste à corrida
no êrmo sem fim...
Enquanto o Gonçalo
parece animá-lo
com sua atenção,
um nosso vizinho
com tanto cinismo
discute o marxismo
na mor confusão!

E em filosofia
tem tal ousadia
que julga entender:
do Instinto dos bichos,
da Vida das plantas,
da Ciência de tudo...
Nos fatos da História,
quer ele opinar!
Na física pura,
Na Ciência obscura,
quer ele opinar!...

Falou-nos do ente,
falou-nos do ente,
do ente falou...
Por uma exceção,
falou do pinheiro
falou do pinheiro
mas NÃO do pinhão!

Mudemos de assunto,
pois nosso conjunto,
já quase defunto
de tanto aguentar,
não quer mais ouvir
falar de pinheiro
mas sim de pinhão
e só de pinhão...

Já dentro da noite,
longíquo clarão
vem dar o sinal
de haver, afinal,
mais uma estação:
   será Itararé,

   será Itararé
Pois é Itararé,
pois é Itararé!
Adeus ó compasso
da Rede Viação!
Adeus, ó poesia
que antes se ouvia
em cada vagão!...

Ó Sorocabana
quer ser mais humana?
Aceita a lição
da Rede Viação:
  imita o comboio
  que bebe no arroio;
  que estala nas pontes
  e bufa nos montes;
  que fuma contente,
  que fuma com graça,
soltando fumaça
  no rosto da gente...

Já tenho saudades
das belas cidades
  do meu Paraná,
  do meu Paraná,
  do meu Paraná!
E tenho-as, ainda,
da música linda,
  (mais linda que há!),
do trem que deixamos,
do trem que largamos,
   no meu Paraná,
   no meu Paraná,
   no meu Paraná!

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