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Armando Nogueira.

Se você torceu o nariz supondo que eu  ia falar de futebol, lamento. Vou falar de Armando Nogueira que  não conheci pessoalmente mas por quem  tinha enorme carinho.  Presente da natureza, tenho alguma facilidade em sentir o  bom  caráter de pessoas sem  precisar necessariamente conhecê-las.  A.N  me chamava a atenção. Carregava consigo seriedade, bom humor e paz.   Jamais li nada contra ele, uma fofoquinha boba  ou  algo  mais forte. Nada. Pelo que de mal deixei de saber ele foi, vivo, o  que é agora: realmente um  cara bom.
Sei mais de Armando Nogueira ligado ao  futebol. Não por que só  falasse disso, mas  porque o  esporte é que domina a cena. Transitou querido e respeitado entre vários atletas de várias modalidades, e tornou-se amigo de alguns. 
Só descobri o excelente cronista Armando Nogueira quando, incentivada pelo meu cunhado predileto,lí o livro A Ginga  e o Jogo (Ed. Objetiva). Um banho!  textos leves, bem escritos, inteligentes,ponteados de bom humor e poesia.  
Para quem  quiser surpreender-se, recomendo o livro. Depois dele provavelmente o leitor descobrirá que futebol pode render muito  mais que resenhas chatérrimas em fins de jogos clássicos.
E para você morrer de curiosidade, coloco a seguir a crônica  feita por ele quando  da despedida de Paula, a Magic Paula,  da seleção  brasileira de basquete.

Sexto sentido da bola:
Armando Nogueira


Primeiro, foi a Hortência, de tantas cestas perfumadas. Agora, é Paula, Maria Paula, das mãos adivinhas. É uma saudade a mais. Porém, saudade que não dói. Zero de melancolia. Hortência, ontem, Paula, agora, ambas encarnam um passado glorioso do esporte brasileiro. E assim seguirão, pelo tempo, futuro afora, canonizadas, idolatradas.

Não choraremos o adeus de Paula porque não é o fim de um caminho. É apenas o termo de um ciclo numa existência perpetuada na gratidão de todos nós. Viveremos, sempre, o passado indizível de Paula, numa quadra de basquete.
 Paula, das mãos que inventam cintilações. Das mãos que adivinhavam os caprichos da bola. Das mãos que regiam o jogo como se o basquete fosse um balé. (Alguém dirá que não é?).


Paula, Maria Paula, musa de meus devaneios esportivos. É hora de renovar um pergunta que tantas vezes te fiz sem que jamais tivesse reposta: afinal, de onde vem a aura que purifica os dedos de tuas mãos, quando lanças uma bola de três pontos? Quem te concedeu a graça de enfeitiçar a bola? E teus gestos, de que matéria luminosa vem tamanha majestade?


Obrigado, Paula, pelo dom com que fintavas a própria gravidade, alternando ritmos, criando e recriando espaços impressentidos, na árdua travessia de uma quadra.


Bailarina do jogo, a inventar irretocáveis coreografias no palco de infinitas fulgurações. Sexto sentido da bola que sobe, radiosa, pra culminar florescida, triunfal, na castidade de uma cesta.


Beijo tuas cestas, Paula, pela ventura de poder beijar-te as mãos.


De Armando Nogueira:

Drama e Glória dos Bicampeões (com Araújo Neto) (do autor 1962)

Na Grande Área (Bloch Editores 1966)
Bola na Rede (José Olímpio Ed. 1973)
O Homem e a Bola (Ed.Globo 1986)
Bola de Cristal (Ed.Globo 1987)O Vôo das Gazelas (Civilização Brasileira 1991)

A Copa que Ninguém Viu e a que Não Queremos Lembrar ( com Jô Soares e Roberto Muylaert)(Cia. das letras 1994)
O Canto dos Meus Amores (Dunya 1998)
A Chama que não se Apaga (Dunya 2000)
A Ginga e o Jogo (Ed.objetiva 2003)

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